A última reportagem de Gilberto Dimenstein

Estimado leitor: se você ainda não leu, deve ler com urgência um pequeno livro de pouco mais de 130 páginas, escrito pelo jornalista Gilberto Dimenstein, em parceria com sua companheira de vida, a também jornalista e ativista social Anna Penido – “Os últimos melhores dias da minha vida”, já na segunda edição, editado pela Record. Ele vai mudar a sua vida. Ou torná-la mais feliz. Encomende-o através da Amazon, a edição impressa custa apenas R$ 25,82 e lhe será entregue em poucos dias.

Gilberto Dimenstein foi um dos maiores jornalistas que este país já teve. Escrevia bem, seus textos, de agradável leitura, tinham conteúdo e sabedoria. Foi repórter, redator, editor e diretor de sucursal da Folha de S. Paulo. No início da carreira, como confessa, adotou o “kit básico” de todo jornalista do seu tempo: além de fumar, abusou muito da bebida. Não chegou a ser um alcoólatra, mas começou a perder o controle. Aí, deu um basta. Mas não é por aí que eu pretendo seguir.

Certa noite, Gilberto sonhou com uma mulher desconhecida que lhe disse: “Você está com câncer”. Ele sempre desconfiara desse tipo de coisa. Sua formação era rigorosamente científica, lógica, matemática. Sentia-se bem, sem nenhum problema de saúde, já tinha parado de fumar e estava abstêmio fazia mais de seis anos. Ademais, não tomava nem café, nem comia carne vermelha. E pedalava por toda São Paulo. Quer dizer, quando o sonho chegou, ele estava no auge da sua saúde. Tinha feito checkup dois meses antes – endoscopia, colonoscopia, ultrassonografias, exame de próstata, coração – e tudo se revelara ok.

No entanto, aquele sonho deixou-o cismado. Como seu médico estava de férias, procurou um especialista. Fez uma tomografia. Depois de uma longa espera pelo resultado, quando um enfermeiro disse-lhe que estava com pancreatite e que precisava tomar uma injeção para a dor, Gilberto virou-lhe as costas e foi para casa. No táxi, cometeu a bobagem que todos cometem: consultou o dr. Google e acabou chegando ao câncer de pâncreas, uma doença letal, com tratamento apenas paliativo e que mata em um período de um mês a, no máximo, um ano.

Quando chegou em casa, o médico confirmou a possibilidade de o seu sonho ter fundamento. No dia seguinte, uma ressonância magnética confirmou a tomografia. Só voltou para casa dez dias depois, após a extração de um tumor. Era um adenocarcinoma na cauda do pâncreas, retirado bem no comecinho. Passou a ser tratado pelo maior especialista do país e fazer quimioterapia com nova medicação. Uma febrícula, no entanto, revelou a existência de novos tumores, desta feita no fígado. Era a metástese e a coisa se tornou mais complicada. E a vida de Gilberto Dimenstein mudou por completo, o seu modo de ser, de ver as coisas, de entender as pessoas. A doença transformou a sua existência em um campo de descobertas, que ressignificaram a relação dele consigo mesmo e com todos à sua volta. Passou a viver o presente e os pequenos prazeres que lhe trazia, relembrando Rubem Alves, de quem fora grande amigo e com quem publicara também um livrinho. Dizia Rubem que “a vida não se justifica pela utilidade, mas pelo prazer e pela alegria”.

Tudo isso é narrado, com sinceridade, isenção e extrema competência, por Gilberto em “Os últimos melhores dias da minha vida”. Um depoimento que emociona e leva à reflexão. O autor traça um balanço de sua vida, reconhecendo os erros e as mesquinharias, mas com a certeza de nunca haver traído o seu propósito de ser solidário com os mais frágeis e de ajudar muita gente. Teve também a convicção de que mesmo as batalhas que perdeu foram travadas do lado certo. A morte jamais o desesperou – apenas o ensinou a ver e viver a vida a partir da perspectiva da morte.

Gilberto faz questão de destacar a importância de Anna Penido em sua vida, especialmente nesse período final. Com ela, confessa que redescobriu o amor, isto é, “o amor de verdade”, que já não acreditava mais ser possível. E com Anna seguiu até o fim. Durante a escrita, ela foi parceira e ombudsman. Como não tinha mais força para fazer o trabalho sozinho, ela o complementou. E o livro, escrito a quatro mãos, “acabou ganhando ares de uma grande história de amor”.

No posfácio, Gilberto revela que o livro teve o propósito de produzir um relato jornalístico sobre como enfrentou uma doença grave e de descrever essa experiência a partir do olhar do doente. Sabia que tinha em mãos todos os elementos para fazer uma boa reportagem, sem derivar para a autoajuda – o que o apavorava –, ditar regras ou oferecer dicas ou receitas. Conseguiu.

Gilberto Dimenstein faleceu em 29 de maio de 2020, aos 63 anos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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