A ultradireita e seu público

Governo evita choque frontal, enquanto esquerda e progressistas recorrem ao STF

Fossem outros os tempos, “O Som da Liberdade” mereceria a mesma atenção concedida aos filmes B das plataformas de streaming, nos quais o bem vence o mal depois de peripécias vividas por atores canastrões.

No caso, o bem é encarnado por um agente do Departamento de Segurança Interna norte-americano, branco, olhos azuis, mulher compreensiva e prole numerosa, que se arrisca pela selva colombiana para salvar duas crianças –latinas– sequestradas por traficantes de pessoas, entre eles uma negra, que as vendem a pedófilos, um deles líder da guerrilha comunista.

Mas os tempos são de embates ideológicos: assim, tanto nos Estados Unidos, onde a película foi produzida, quanto aqui, a ultradireita promoveu o filme a arma na sua guerra santa contra o comunismo ateu. A família Bolsonaro e os seus agregados festejaram e deitaram falatório quando a, digamos, obra, estreou em Brasília. O “Brasil Paralelo”, usina de cultura de massa direitista, dela faz propaganda em seu site, oferecendo ingresso grátis a seus assinantes.

O episódio vem atestar mais uma vez a importância da pauta de valores na ação política do reacionarismo extremado, bem como na definição de sua coesão e identidade pública.

O horror ao aborto, à descriminalização da maconha, à educação sexual nas escolas e a ações afirmativas, mais a defesa da família heteronormativa, excluindo a possibilidade de outros arranjos familiares, compõem o núcleo duro de seu discurso de oposição. A eles se soma uma proposta de segurança pública que –em nome do necessário combate à criminalidade –viola os limites da lei e os direitos básicos das pessoas.

A ultradireita, mostram as pesquisas, tem apoio de cerca de 25% da opinião pública. No entanto, muitos de seus valores, também pregados por todas as igrejas cristãs, são os de uma parcela bem maior de brasileiros, variando conforme o tema. Assim como são compartilhados pela maioria dos representantes eleitos, no Congresso e nas Assembleias estaduais.

Eis por que o governo evita entrar em choque frontal com eles, enquanto a esquerda e os progressistas recorrem crescentemente ao Supremo Tribunal Federal para assegurar prerrogativas às quais a direita e parcela importante da sociedade se opõem.

Apostam no papel contramajoritário da Corte e na sua disposição a atuar como “vanguarda iluminista”, à frente da sociedade, nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso. É uma estratégia de fôlego curto. Não substitui o ânimo de deixar o conforto da conversa ilustrada entre grupos progressistas e enfrentar o conflito no terreno dos valores e crenças onde a direita retrógrada detém a iniciativa.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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