A vida curiosa das palavras

A maioria dos dicionários etimológicos costuma nos dar o princípio das palavras de um modo quase sempre frio e sucinto. Não há charme nem gozo – as palavras, em estado lexical, lá estão – marcadas, quase sempre, pelas datas de seu surgimento e/ou de seu uso corrente, em abreviados e desengraçados parênteses.Apesar de não abandonar nunca os meus inseparáveis Antenor Nascentes e Antonio Geraldo da Cunha, dois celebrados monstros da pesquisa etimológica, impossível não denunciar, contudo, a “frieza” inerente aos velhos dicionários ou a sua inextricável limitação.

Não tome, entretanto, meu bom leitor, em hipótese alguma, a assertiva, como perfídia; não, é só uma constatação – gelada feito um pepino.Mas isto está por um fio – nas livrarias brasileiras já pode ser encontrado o produto final de sete anos do incansável e diuturno trabalho de um jornalista que só não se tornou filólogo por acaso. Falo do carioca Márcio Bueno, que não é meu parente mas o autor do mais que delicioso “A Origem Curiosa das Palavras” ( José Olympio, 264 págs, R$ 34,00, formato 16 x 23 cm) – extenso e acordado projeto que além de consumir quase um decênio da vida e energia de seu idealizador, posso assegurar, leitor, é barato garantido para quem nele viaje e em seus intrigantes verbetes.

Coisa que podemos fazer, em primeira mão, aqui e agora, só para dar uma idéia, ainda que pálida, do que seja esta “etimologia para milhões”. A melhor maneira, aliás, de fazer interessante a qualquer pessoa o rico patrimônio da última Flor do Lácio, como chamou à língua pátria, em decassílabos perfeitos, o nunca assaz louvado Olavo Bilac, num soneto pra lá de famoso.

A palavra alameda, por exemplo, leitor – atualmente designa rua ou avenida tendo às margens qualquer tipo de árvore. No começo o nome era aplicado somente a vias sombreadas por “álamos”… Já alarme, nos ensina Márcio Bueno, procede da expressão all’arme, que significa, em bom italiano, “às armas”. O brado era usado para que uma tropa militar se armasse com vistas a se defender ante a iminência de uma investida inimiga…

Quando chamamos alpinista ao nosso herói Jorge Niclewiecz, que já chegou ao topo do Aconcágua, só não erramos porque o uso sistemático da palavra a incorporou ao idioma, posto que “alpinista”, na origem, era só para designar quem escalava os Alpes… Tanto assim que no espanhol de nuestra America um sinônimo para alpinista é “andinista”, uma clara referência aos Andes…

Biruta, esta uma descoberta exclusiva de Márcio Bueno, é, sabemos, um saco de lona cônico que, nos aeroportos principalmente, é fixado no alto de um mastro para indicar a direção do vento. Em razão de seus movimentos, muitas vezes descontrolados, o termo acabou por designar também “pessoa amalucada”. E não o contrário, como muita gente pensa…

E quem poderia supor que a palavra canalha tem a ver com “cachorro” ? Pois tem, e muito, leitor. O termo deriva do italiano, de “canaglia” – cachorrada, cachorrice, cachorreira… Já dundum – aquela bala que quase matou o Ronaldo Reagan, e que explode no impacto, muitos aí podem estar pensando ser um vocábulo onomatopaico, isto é, que imita o som que produz, como “xixi”, por exemplo. Quem assim pensou, errou – “dundum” vem do nome da localidade indiana Dum Dum onde foi desenvolvido o projétil…

E xará, então, vejam que coisa curiosa – usado para designar “homônimo”, vem do tupi onde “xe’rerá” quer dizer “meu nome”. Tão curioso quanto a etimologia de xereta que procede do verbo “cheirar” e designa o indivíduo que vive metendo o nariz onde não é chamado… O que não é o caso, – ouviu professor Albino Freire? –, nem do “xe’rerá”.

Bueno, autor deste impagável “A Origem Curiosa das Palavras” e nem deste outro Bueno que em vez de dissertar sobre fugacidades, o seu legítimo ofício, mete-se hoje aqui a demarcar a origem das palavras…

“O Estado do Paraná”, domingo, 22 de junho de 2003

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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