A vida é chata?

Enfim, Alice, velha é a sua mãe. E aposto que ela acha a vida menos chata que você

Alice, 22 anos, me escreve para dizer que “apesar de muito jovem, acha a vida chatérrima”. Tem medo de quando chegar na minha idade: “Se com tantas festas, possibilidades amorosas, disposição física e colágeno estou entediada, o que será de mim quando eu for velha como você?”. Bem, Alice, trago boas notícias: eu só me curei de achar a vida um porre faz pouco tempo.

Vamos começar pelas festas. Talvez você descubra, com o passar dos anos, que não gosta de 86% das pessoas que conhece e que foi meio infeliz em 92% das celebrações em que se meteu. Mas até a sua lombar começar a doer o suficiente para que você aprenda a ser seletiva, quanta gente imbecil, música ruim, bebida terrível e boca bafenta você terá suportado. A dor na lombar é o preço que se paga pela maior das libertações: descobrir que um bom sofá é melhor do que mais da metade da humanidade.

Sobre as infinitas possibilidades amorosas na juventude, isso aí é besteira. Primeiro porque eu, mesmo tendo sido chamada de velha por você, tenho sempre uns dez desavisados me mandando foguinho nas redes sociais. Depois porque se fosse bom transar com várias pessoas, eu jamais teria passado a vida à procura de uma.

Ao olhar para trás, a maioria das mulheres da minha idade costuma dizer “só fui mesmo feliz na cama com fulano” ou “tive dois ou três bons parceiros sexuais, o resto não batia tanto comigo”. Metade da nossa vida sexual não serve nem para virar crônica, metade da outra metade da nossa vida sexual só serve pra virar crônica. Dos 25% que restam, metade foi melhorzinho que o resto todo, mas a gente descobre, a posteriori, que poderia ter sido muito mais feliz dormindo ou comprando meias. O que sobra mesmo são umas três ou quatro pessoas. Isso em vinte anos de vida amorosa e sexual! E não estou falando de caráter, estou falando de performance, generosidade, química e entrega. Sou péssima em matemática, mas a real é que com muita sorte, a moça que teve o infortúnio de gostar somente de rapazes conhece um que presta a cada cinco anos. E você achando que tinha que ser feliz porque tem cinco ao mesmo tempo. Isso aí é falso.

Disposição não é essa maravilha toda também não. Com a sua idade, muitas vezes eu ficava em dúvida se queria viajar, ir a uma festa ou a um show. E dúvida é uma perda de tempo insuportável. Agora, usando sempre o condicionador no lugar do shampoo porque não enxergo o que está escrito na embalagem e com a sensação de que tenho uma dengue que não sara há uns sete anos, eu desmaio na cama muito antes de parar para pensar mais do que dois minutos sobre sair de casa. O tempo que eu perderia avaliando prós e contras sobre diversões é tragado, sem complicações, por uma espécie de pré-coma induzido pela exaustão em ter problemas reais, coisa que até uns dez anos atrás eu não tinha ideia do que eram.

A despedida do colágeno é a única rave da qual, infelizmente, eu não pude escapar. Graças a Deus deixei de ir a todas as raves eletrônicas para as quais me convidaram, mas alguma balada insana acontece com meu corpo nas madrugadas, pois todas as manhãs acordo mais flácida, inchada, manchada e enrugada. Para você, Alice, isso parece ruim. E a única coisa que nos difere é que no meu caso eu tenho a certeza absoluta de que é ruim mesmo. Mas eu ainda prefiro do que acordar absolutamente pobre e na casa de um namorado que fala “é nitroglicerina na veia, brother”, que era meu caso aos 22 anos de idade.

Enfim, Alice, velha é a sua mãe. E aposto que ela acha a vida menos chata que você.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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