A voz do dono

Cada dia está mais difícil torcer pelo homem. Lula foi a favor da Rússia e contra a Ucrânia; em seguida ficou contra as duas, em parte, sem dizer qual parte; agora é a favor da Ucrânia contra a Rússia. O que aconteceu? Tudo indica ter sido a ‘voz do dono’, his master’s voice, da propaganda da RCA Victor. O dono em questão chama-se EUA, que pede satisfações ao presidente do Brasil, que imediatamente desvia o rumo – pero no mucho, como diria o companheiro Hugo Chávez. Resultado, vexame, a amostra da fragilidade e dependência históricas do Brasil.

O berro dos EUA fez doer o calo do governo brasileiro. Imediatistas e apressados, os brasileiros logo começaremos a comparar Lula com Bolsonaro nas mudanças de opinião. O Mito não mudava de opinião, porque não tinha nenhuma. Lula muda de opinião porque tem tantas que a de ontem não bate com a de hoje. Lá do fundo Celso Amorim, o caixeiro-viajante de Lula esboça reação solitária: “o Brasil não tem sempre que seguir os EUA”. O problema está no ‘sempre’. É o que veremos em seguida em mais um vacilo de Lula.

É triste admitir depois de tanto sofrermos com Jair Bolsonaro: a atitude mais firme de Lula na política internacional nos seus primeiros 90 dias de presidente foi impedir a tributação das roupinhas da Shein. Mas isso nem é dele, foi Janja, a mulher que mandou fazer, ao peitar o ministro Fernando Haddad em protagonismo cucaracha, como se fosse uma Rosário Ortega, a mulher vice presidente do presidente Daniel Ortega, o ditador da Nicarágua. Tem decisões internas, claro, que procuram salvar o Brasil do caos de Bolsonaro.

Acontece que as mudanças dependem do Congresso, que brinca de parlamentarismo inglês em zona dominada pelas milícias. Nem os bolsonarismo dos apóstolos que apostam no caos cria problemas para o governo. As mudanças ficam travadas na disputa de poder entre os presidentes da Câmara e do Senado, que replicam o péssimo filme da rivalidade entre democratas e republicanos nos EUA. Sim, há piso da enfermagem, um escárnio diante das indenizações aos militares e ao abono milionário e retroativo que o Judiciário se autoconcedeu.

Lula deve acordar suado, aos gritos, em pesadelos nos quais revive como personagem o drama de Dilma. O presidente não está obrigado a contentar a todos. Porém podia fazer esforço para não abusar de nossa paciência. Desse jeito acaba sozinho, com o PT e o Centrão, um sempre agarrado às boquinhas, o outro atento ao diário oficial – e pronto a se vender pela melhor oferta.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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