Alexandre de Moraes é um ‘ditador’?

Supremo tem sido barreira contra avanços do bolsonarismo sobre a ordem democrática

Quando o ministro Alexandre de Moraes determinou a busca e apreensão nas casas de empresários bolsonaristas baseado em bravatas insignificantes numa conversa privada de WhatsApp, foi criticado por diversos comentaristas e veículos, inclusive por mim e pelo editorial da Folha.

Essa crítica foi correta e necessária. Ela facilmente desliza, contudo, para um discurso politizado que vê em Moraes uma perigosa ameaça à democracia, ou até mesmo um “ditador”, e que normalmente vem de apoiadores do governo.

Não é uma acusação feita de boa-fé, haja visto que um ano atrás chamavam de “ditadores” os governadores e prefeitos que tomaram qualquer atitude contra a Covid. Esse discurso convenientemente omite aquilo que motivou as decisões de Moraes, do STF e do TSE: os ataques orquestrados e reiterados à Justiça e à própria democracia.

Roberto Jefferson instruiu seus seguidores a colocar máscaras e pegar em armas para matar policiais. Daniel Silveira incitando a violência física contra ministros do Supremo. Fernando Francischini fez acusações de fraude nas urnas, alimentando uma campanha de desinformação em massa feita com mentiras grosseiras visando a descredibilizar nossas eleições.

Empresários, influenciadores chapa-branca, políticos, funcionários de gabinete e militantes desocupados financiam, produzem, veiculam e divulgam em massa calúnias, ameaças, narrativas e até mentiras com o objetivo de destruir a reputação de pessoas e instituições vistas como obstáculos ao projeto de poder bolsonarista. O resultado previsível disso é a violência, que está se tornando cotidiana.

Não há uma única pessoa que tenha sido presa, indiciada ou mesmo investigada por apenas criticar o STF, como aliás é feito diariamente nas redes, em jornais, TVs e rádios. Mas ameaças não são críticas; calúnias não são críticas; incitação à violência não é crítica. Daniel Silveira, Roberto Jefferson, Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio, Fernando Francischini e outros não são coitadinhos inocentes; são pessoas cuja conduta foi incompatível com uma sociedade democrática e livre.

Imaginem como estaria o país se o “basta” de Alexandre de Moraes não tivesse sido dado. Entraríamos na eleição com todo mundo podendo mentir à vontade, instilando ódio pelas urnas eletrônicas, incitando a revolta popular contra as eleições caso seu candidato perdesse. Uma multidão sendo alimentada com fake news e fanatizada para odiar e atacar pessoas, instituições e até as urnas eletrônicas. Cada ação que passa impune estimula outras mais ousadas. Não falta quem queira ir armado à seção eleitoral.

Críticas são sempre válidas: o Supremo agiu corretamente ao abrir inquérito de ofício por ataques que não ocorreram em suas dependências físicas? Cabe considerar um vídeo publicado online como uma espécie de “flagrante perpétuo”? A mesma pessoa pode ser vítima e juiz? Tudo isso gera precedentes. Essa capacidade de criticar o que o próprio lado faz é o que distingue os reais defensores da democracia e da liberdade de seus inimigos. Desde que nunca esqueçam do que estão defendendo. É possível criticar os aliados pelo bombardeio de Dresden sem perder de vista quem é que estava do lado certo.

Tudo tem limite. Situações novas –como o poder inédito que a comunicação em rede colocou nas mãos de cada um de nós– trazem riscos novos que precisarão de respostas também novas. No momento, a única barreira eficaz contra os avanços constantes do bolsonarismo sobre a ordem democrática tem sido o Supremo. Podemos questionar o como, mas supor que nosso Direito tem de ficar de mãos atadas e deixar que os ataques corram soltos é um garantismo suicida.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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