Anotações gerais, incluindo nunca escrever sobre aquela mulher da escola

Repetir a ressonância e produzir a série com belas modelos gordas, a ‘XL Bündchen’

Me vestir de glúten (trigo) para uma festa de Halloween. Criar um videocast chamado “Discovery Xanal”, com entrevistas sobre expedições na mata vaginal.

Ganhar na Mega-Sena acumulada, dar R$ 5 milhões para o padre Júlio Lancellotti, investir o resto em roteiros que serão aclamadíssimos e provar para todas as jovens recém-chegadas de cursos de cinema em NY (que ganham cargos altos em empresas de streaming) que tudo bem ignorar o plot da página 18, a virada de subplot na página 28 e a semivirada de meio de plot da meia página da página exata do meio do plot. Cada vez que uma semiexecutiva de plot se forma em NY, um artista desfalece de tédio no chão frio de um banheiro.

Nunca mais tentar abrir espacate só para fazer piada para a minha filha.

Repetir a ressonância do quadrado lombar.

Produzir uma série empoderadíssima com belas modelos gordas e influencers body positive chamada XL Bündchen.

Não fingir costume da próxima vez que encontrar o Caetano Veloso –tudo bem pedir uma foto e chorar.

Beijar mesmo que eu esteja com metade de um bauru na boca, porque depois dá muito trabalho explicar que era um bauru e não um ensimesmamento ególatra que me torna incapaz de amar.

Me vestir de lactose (garrafa de leite) para uma festa de Halloween.

Criar um podcast chamado “Se Ela Não Sabe, Quem Sabe?” e entrevistar apenas mulheres com mais de 50 anos.

Nunca mais sair catando brinquedos pelo chão com a perna reta. Lembrar de sempre agachar (com os joelhos virados para a frente) usando as coxas.

Repetir a ressonância pélvica.

Usar “deslizamento metonímico” e “evitamento da pulsão escópica” na minha próxima sessão de análise, para impressionar.

Fazer a análise pra valer em vez de querer impressionar.

Descobrir se anandamida é mesmo um tipo de THC produzido naturalmente pelo ser humano ou se aquele médico estava chapado de um THC produzido naturalmente pela estufa dele.

Não esquecer que o laranja do salmão vendido no Brasil é somente a coloração de um peixe (que não é salmão) que está em sofrimento. Pesquisar onde vende salmão silvestre. Lembrar que o nome correto é salmão selvagem. Me organizar para ir ser selvagem por entre árvores e esquecimentos. Fernando Pessoa. Maria Bethânia. Better, better, Beta, Beta, Bethânia. Please send me a letter. Comprar ingresso para o show do dia 13 de agosto. Rio de Janeiro. Disco “Transa”. Três médicos falaram que eu não tenho TDAH. Tati desencana ainda hoje. Tati deusa agora hiberna. Tati durma agora histérica.

Registrar todas as ideias antes de contá-las. Jamais escrever crônicas com nomes e ideias sem antes registrá-las. Nem se faltar assunto.

Trabalhar menos ganhando mais porque já tenho quase 45 anos e estou exausta e preciso de tempo para ler e estudar. Não aceitar tudo o que me passam de trabalho. Melhor ser feliz do que ser rica. Ainda tenho 44 anos, então tudo bem, daqui a um ano penso nisso.

Rezar toda noite na esperança de que um dia eu consiga me livrar da lista mental de pessoas das quais me vingar que faço todos os dias no banho desde os 11 anos. Como a lista cresce exponencialmente, gasto água demais. E energia. E gás. E a minha pele.

Ter um programa de TV chamado “Quebra de Decoro” só com políticos e políticas e polítix que estão muito irritados e irritadas e irritadix. Não complicar e dizer apenas “toda semana uma pessoa bravíssima envolvida com política” na hora do pitching.

Perceber que se você continuar se irritando com todo mundo que é lerdo ou devagar ou quase parando só vão sobrar amigos ansiosos, irritados e neoliberais e você vai se manter exatamente como é, sem evoluir nada.

Reconsiderar o parágrafo anterior: pensando bem, isso é bom.

Jamais, jamais, jamais, escrever uma crônica sobre aquela mulher da escola.

Comprar o travesseiro de corpo inteiro.

Aceitar que não vai resolver.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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