Ligação errada

Você está em um daqueles dias. Você está com um daqueles problemas. Tipo: insolúvel. Daqueles que dão vertigem, ânsia de vômito, edema de glote, ataraxia. Você já tentou de tudo: natação, massagem, relaxante muscular, Lorax, passeio no parque – e nada. É aquele momento onde não tem amigo nem terapia que resolva. Você precisa de uma instância superior. Alguém com mais poder, mais energia, mais pureza.

Você precisa de um santo

Convencido disso, você pega sua agenda e começa a consultar. Santo Antônio, não. Já me ajudou duas vezes nessas últimas semanas. São Tadeu também não – muito concorrido. Santa Terezinha, São Miguel, São Jorge – não, nenhum deles. Você precisa de um santo mais disponível, menos requisitado, menos fashion, digamos assim. Que seja capaz de entender um sujeito com o problema do tamanho daquele que você tem.

Santo Inácio

Puta que o pariu, matou a pau. Santo Inácio. Não pode ser outro. O legionário que abandonou tudo para andar com roupa de mendigo. Uma alma capaz de entender um sujeito no estado em que você se encontra. E o telefone dele deve estar – aqui. Você liga. Cada número acende sua esperança de que você está no caminho certo. O telefone chama. Uma. Duas, Três. Cinco vezes. Quando chega na oitava, e você já se prepara para desligar, alguém atende.

Alô?
A voz possante, grave e precisa deixa você
em um estado de indecisão.
É….é…..por favor, é Santo Inácio?
Não, não é Santo Inácio. Eu acabei ficando com o telefone dele.
E quem fala, então…. por favor?
É Deus.
Deus?
Como assim?, você pensa. Deus, em pessoa? Não pode ser. Você gagueja. Você fraqueja. Não consegue falar. Quando finalmente respira, sai–se com essa.

Eu queria falar com Santo Inácio

Como assim, seu energúmeno, você pensa. Falar com Santo Inácio? Você está falando com Deus! Esse é o cara. Com ele, é ligação direta. Nenhuma interferência acima. É banda larga. Cósmica. Universal. Não que os santos não resolvam. Resolvem, claro. Mas sabe como é. Você faz o pedido e tem toda aquela burocracia. É reunião, consulta daqui, pesquisa dali, pra depois sair a deliberação, depois o pedido – e você lá, penando, afundando. Com Deus, não, meu chapa. Não tem intermediário. E você, em vez de aproveitar tira uma dessas: eu queria falar com Santo Inácio.

Santo Inácio?, ele diz. Tenho aqui o telefone. Se você quiser –
Besta humana como é, você diz rapidinho.
Sim, quero.
Anota aí, então, ele diz.
Você copia o número.

Daí sua boca seca. Instaura–se uma eternidade de silêncio. Ninguém diz nada. Até que, sem que você possa entender como nem porquê, sua boca se abre e fala, como se fosse independente do resto do corpo.

Então, tá. Muito obrigado.
De nada, ele responde.
E desliga.

Você olha para o telefone com cara de tacho. Como alguém pode ser assim, tão imbecil. Deus na linha, o número 1 no organograma, o Uno, o Incomparável, o homem de todas as soluções, senhor de todas as conexões – e você paralisa.

Deus que me perdoe, você pensa. Era só pedir um minutinho do tempo dele, contar o problema que – pá-puft: tava resolvido. Não tinha erro. Com Deus, não tem erro. Você está quase atirando a cabeça na parede, quando vê o número anotado.

Uma, duas.
Na terceira, ele atende.
Inácio?
Ele mesmo.
Rapaz, você não vai acreditar no que me aconteceu.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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