Apartheid social à beira-mar

Nossa desigualdade social aberrante é força ainda mais destrutiva

Personagens do bolsonarismo nunca falham quando se trata de acentuar o apartheid social brasileiro. Eis que ressurge do ostracismo o ex-secretário de Comunicação do foragido, Fabio Wajngarten, em vídeo publicado pelo jornal O Globo. A gravação é de janeiro de 2020 e mostra reunião da associação de moradores de Maresias, em São Sebastião (SP).

O vídeo é didático sobre o modus operandi de certa elite no Brasil. Eis um trecho da exortação de Wajngarten (que tem casa no local): “Enquanto eu estiver em Brasília, usem a minha posição lá. Utilizem os meus contatos. Essa história da habitação, das casas, o Eliseu [Eliseu Arantes, então presidente da associação] me endereçou há uma semana, perto do Réveillon. Eu liguei para o presidente da Caixa Econômica [Pedro Guimarães, aquele do escândalo de assédio sexual] para saber se era verdade que o governo federal estava envolvido nisso. O presidente da Caixa não estava nem sabendo disso.”

Pois ficou sabendo, e a Caixa atendeu à demanda da associação para impedir um projeto da prefeitura para a construção de 400 casas populares. Em rapidez incomum, o pedido foi negado no mesmo dia em que foi feito. O conjunto habitacional seria construído perto de um condomínio de luxo. Pobre em condomínio??? Só se for na cozinha ou limpando banheiro.

A catástrofe no litoral de São Paulo condensa muitos horrores num só: a cobrança de preços extorsivos por comida e água, a indiferença de turistas à dor de famílias destroçadas, a agressão a jornalistas. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) ainda teve a desfaçatez de propor a verticalização das moradias na região, música para os ouvidos da especulação imobiliária.

A ciência nos diz o que fazer para evitar o agravamento dos extremos climáticos. Mas, sobreposta ao excesso de chuva, nossa desigualdade social aberrante é a força mais destrutiva a corroer os esforços para erguer uma sociedade democrática e solidária.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Cristina Serra - Folha de São Paulo e marcada com a tag , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.