Apetitosos

À ideia de que não somos mais do que uma erupção passageira na superfície de um planeta menor numa galáxia entre trilhões de outras se antepôs, ultimamente, a convicção – agora não mais religiosa, mas cientificamente plausível – de que o Universo existe para a gente existir.

O fato de a Terra estar na distância exata do Sol para haver vida como a nossa – um pouquinho mais perto ou um pouquinho mais longe e nem você, eu ou qualquer outro mamífero seria possível – é apenas uma amostra dessa grande deferência conosco.

Somos a razão de tudo, o resto é cenário ou sistema de apoio. E não fazemos feio entre os mamíferos. Nenhuma outra espécie com a mesma proporção de peso e volume se iguala à nossa.

Nosso habitat natural é o planeta todo, independentemente de clima e vegetação. Somos a primeira espécie da História a controlar a produção do seu próprio alimento e a sobreviver fora do seu ecossistema de nascença.

Em nenhuma outra espécie as diferentes categorias se intercasalam como na nossa, o que nos salvou do processo de seleção natural que militou nas outras.

E o que a nossa sociabilidade não conseguiu, a técnica garantiu. Mutações que decretariam o fim de outra espécie em poucas gerações, na espécie humana são corrigidas ou compensadas pela técnica. Exemplo: a visão. Enxergamos menos do que nossos antepassados caçadores e catadores, mas vemos muito mais, graças à oftalmologia e a todas as técnicas de percepção incrementada.

Mas nosso sucesso tem um preço. Chegamos aonde estamos consumindo tudo à nossa volta e hoje somos tantos que também nos transformamos em recursos consumíveis.

Em breve, a carne humana superará em valor calórico todas as outras fontes de alimento disponíveis sobre a Terra. E 10 mil anos ingerindo comida cultivada, mesmo com a maioria só comendo para subsistir, nos tornaram cada vez mais apetitosos e nutritivos.

Gente já é o principal exemplo de recurso subexplorado do planeta. E as leis da evolução são impiedosas: comunidades virais e bacteriológicas se transformam para nos incluir, cada vez mais, na sua dieta. Já que estamos ali, aos bilhões, literalmente dando sopa.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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