Arara Rara

Você sabia que a arara é o único bicho que emite palíndromo no ar? Pelo menos assim se convencionou o gênero da sua onomatopéia a ressoar nas matas. Depois da arara e seu singular grito palindrômico, só o cuco europeu e o nosso bem-te-vi tiveram batismo próximos aos seus sons onomatopaicos. Mas nenhum chegou a merecer virar título de antologia.

Puizé, a Arara Rara pousou entre nós. É o fim não de uma lacuna mas de um gran cânion na estantes brasileiras sobre a palindromia: sábado passado, 12/6/21, às 15:51h (notou que lindo buquê capicua?) aconteceu na Evil Live #3 do YouTube o lançamento remoto da Arara Rara (quem se interessar pode assistir aqui).

Nada mais nada menos que a pioneira antologia de palíndromos e ensaio sobre palindromia.

E é também o fim de um vício solitário: fazer palíndromos sozinho. Um grande gozo íntimo, pero sempre insuficiente. Porque, até meados de 1986, nada ocorria no saara que era a palindromia nacional. Mas bastou O Pasquim publicar um palíndromo do Chico Buarque em página inteira e, fiat lux, foi como uma renascença do mais fascinante jogo de palavras. Na verdade, foi uma enxurrada de palíndromos e de palindromistas naquele julho/agosto. E que cresceu, cresceu, até culminar no atual tsunami palindrômico.

Da aridez de antigamente até a nova onda de palindromia, surge agora a caravana da antologia Arara Rara. Para os sedentos de palavras bifrontes e anacíclicas em meio ao isolamento criador, é um chuá: a antologia carrega junto com ela seu próprio oásis, a interlocução. Agora, nessa cáfila lúdica, temos pares e até ímpares.

Adorei a edição: tem volume e forma de antologia, conteúdo e consistência de antologia. O acabamento é primoroso, não vai fazer feio em nenhuma mesinha de centro. São 370 páginas recheadas de tudo aquilo que você sempre quis saber sobre palíndromos e nunca viu reunido num só volume. Até o palindromista Fabio Aristimunho Vargas bater no peito e dizer: vou fazer, e fazer bem feito!

(Ninguém melhor indicado pra conceber e se atirar ao projeto, já que o Fábio Aristimunho tem credenciais de sobra: escritor, editor, poeta, ensaísta, palindromista e professor, além de jurista internacional. Alguém capaz de assobiar o Moto Perpétuo de Paganini enquanto chupa um canavial.)

O ensaio ficou, em termos científicos, ducaraio. Longo e massudo, só não ficou maior porque os gráficos já tinham entintado a impressora e há semanas clamavam que o empolgado Fábio entregasse os originais. São 11 capítulos essenciais que abarcam tudo sobre a palindromia (origens, história, literatura etc) e funcionam como trampolins: quanto mais do alto o leitor salta, mais mergulha no assunto. Tudo numa estrutura levemente didática, recheada de informação enriquecida pelo saber e pelo critério na pesquisa. A linguagem, clara e precisa, não chega a ser informal mas também não ficou engomada. Não é menos que prazerosa.

Já a antologia de palíndromos, tem o mérito de aglomerar o que antes era uma desanimadora dispersão: reúne 49 autores, que representam um ínfimo percentual da população não palindromista. O rol de criadores de palíndromos é variadíssimo e talento pra coisa é o menor dos predicados. Nesse jogo, já não estamos tão sós, mas ainda tá muito distante o dia em que o IBGE irá recencensear palindromistas.

Minha única e egoística ressalva é a desproporção entre ensaio e antologia. Mas o Fábio jura que na 2ª edição, revista e ampliada, talvez dê pra enfiar trocentos palíndromos de cada participante. Sem esquecer dos novos palindromistas: só no Twitter, dá pra incluir outros 49 brilhantes autores.

Como um todo, a Arara Rara tem um efeito colateral: ela inibe o surgimento de novas antologias. Quem vai se atrever a tentar organizar algo tão monumental e com tanta profundidade depois do Fábio?

É um registro histórico, valioso para a academia. Mas na academia, que adora estudar e fazer teses sobre palíndromos, não há quem interrompa o que estiver fazendo para, como nós palindromistas, criar palíndromos. Vamos torcer que este livrão teórico seduza tanto quem agora está no ensino superior quanto atraia aqueles ainda no ensino fundamental para a prática da palindromia. O mundo, carente de humanistas e pacifistas, também tem carência de palindromistas!

Além da competência organizadora e entusiasmo agregador, me impressiona o ímpeto palindrômico no Fábio: pra ele tudo pode e deve ser capicua, até o preço de capa da Arara Rara: R$59,95. Para quem quiser garantir um exemplar dessa raridade antes que a edição esgote, está à venda aqui.

Enfim, tô orgulhoso e felizão de participar de um projeto que acompanho há 3 anos e de ver tão belamente realizado. Parabenza ao Fábio Aristimunho Vargas pela concepção e tanto empenho na Arara Rara. Se nós palindromistas somos os vagões que transportam o lúdico criativo, ele é a locomotiva desse engenhoso comboio.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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