Mudos aos arrotos de Bolsonaro

Os generais ainda não decidiram se vão bater continência para Daniel Silveira

Golpes de Estado costumam ser tramados nos subterrâneos, em horas mortas e por mensagens em código. Como jornalista, fui testemunha de dois: o Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968 (o golpe dentro do golpe), e a Revolução dos Cravos, em Portugal, em 25 de abril de 1974. Mesmo os bem informados só ficaram sabendo deles quando, respectivamente, no Rio, o AI-5 foi comunicado pela televisão, e, em Lisboa, os tanques saíram às ruas. Em ambos, por mais que o clima estivesse pesado, ninguém falava em golpe na véspera.

No Brasil de hoje não se fala em outra coisa. Jair Bolsonaro, cada vez mais certo de que perderá a eleição, já não esconde que sua única salvação é o golpe. Para isso, precisa subverter as instituições, jogando a nação contra o Judiciário, prostituindo o Legislativo com o dinheiro que extorque do Tesouro, corrompendo oficiais menores e policiais para marchar com ele na aventura, infiltrando bufões na Justiça e armando civis de todas as extrações, dentro ou fora da lei, com óbvio objetivo.

É um caso único de golpe com data marcada, como um espetáculo de teatro: ensaio geral a 7 de setembro, com tumulto e violência para coagir, e a estreia —o golpe propriamente dito—, a 3 de outubro, antes que as urnas lhe tirem as imunidades. Não tem outra saída.

Para alguns, o golpe, que até há pouco era uma ameaça real, não tem mais como acontecer; e justamente por não se falar em outra coisa –por estar sendo tão exposto e denunciado. Mas isso pode ser uma ilusão. Um dos atores centrais dessa comédia continua mudo: o Exército. Não pia aos arrotos de seu Líder Supremo.

Talvez os generais ainda não tenham se decidido sobre o que fazer se os baderneiros de Bolsonaro tomarem as ruas —se os reprimem, como seria de seu dever constitucional, ou se aderem e não se envergonham de, no mesmo dia, bater continência para Daniel Silveira.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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