A difícil arte do poder

A chuvarada que tem se abatido sobre Curitiba e o Paraná nos últimos dias encheram os reservatórios de água além dos regulamentares 80%. No entanto, os gênios da Sanepar afirmam que ainda não é possível cancelar o racionamento, por uma “questão de detalhes”. Quer dizer, para prejudicar a população com a limitação da entrega da água foi questão de segundos, mas para cancelar o prejuízo depende de “detalhes”. A esses “detalhes” eu chamo de burocracia, incompetência e má vontade. Ante as críticas, inclusive no Boa Noite, Paraná, da RPC, as torneiras serão abertas amanhã, sexta-feira, a partir das 16 horas. Esse é um dos papéis da imprensa. Valeu.

Não é fácil o exercício do poder. Que ele inebria, fascina e seduz, todo mundo sabe. O que pouca gente sabe é exercê-lo. Ou viver sem ele, após havê-lo exercido.

Tive, pessoalmente, alguma experiência com o poder. Não me deixei, porém, seduzir ou corromper por ele, graças a Deus. Caso contrário, não teria condições de estar hoje dizendo as coisas que tenho dito aqui e disse antes no falecido O Estado do Paraná, há quase 25 anos.

Aliás, posso mesmo afiançar ao leitor que, ao contrário do que se afirma, o poder nem sempre corrompe. Até porque, como dizia Bernard Shaw, o poder não corrompe o homem; são os tolos, quando alcançam uma posição, que corrompem o poder. Tudo depende de pessoa para pessoa.

Mas ele é quase sempre cruel. Asfixia, dilacera, consome, ilude, difama e, depois, despreza. É efêmero e sempre passageiro.

Cleonice, minha mulher e querida companheira de jornada, conta que quando seu avô, o venerando Clotário de Macedo Portugal, assumiu, como presidente do Tribunal de Justiça do Estado, a interventoria do Paraná, em substituição a Manoel Ribas, todo mundo o saudava efusivamente nas ruas. Mas, ante o entusiasmo dos pequenos netos, continha-os com sabedoria:

— Não é a mim que eles estão cortejando. É ao cargo que eu ocupo.

Pouca gente – muitíssimo pouca – sabe disso. Ainda mais quando guindada ao poder pelo voto do eleitor incauto ou por uma jogada de esperteza. Então lá em cima, ofuscada pela vaidade, pela prepotência e pela ignorância, empina as narinas, traça normas, dita regras, comete arbitrariedades, afeta a vida das pessoas, quando não dilapida o patrimônio público. Sente-se o próprio senhor do Olimpo. Belo, formoso, infalível, eterno. Quando tem de voltar à planície, é aquele drama.

No correr da vida, assisti – e como assisti! – a muitas cenas patéticas que, além de constrangimento, causaram-me muita pena. Antigos ditadores da administração pública distribuindo ordens, sem que ninguém lhes prestasse atenção; ex-mandatários todo-poderosos perdidos em saguão de aeroporto, sem ser, sequer, reconhecidos pelos transeuntes; velhos chefes de poder, que haviam se notabilizado pelo autoritarismo, pela intransigência, pelo nepotismo, de chapéu na mão, desorientados em corredores de repartições públicas. Sem falar naqueles que foram ou deveriam ter ido parar na cadeia.

Não é fácil o exercício do poder. Boris Pasternak sustentava que, na ânsia por estabelecer o mito da infalibilidade, os detentores do poder ignoram a verdade. Por isso, em regra, precisam ser dissimulados, manhosos, cínicos, espertos. Não basta ser honesto e bem intencionado. É preciso ser, também, sábio e bem-humorado.

O falecido desembargador Alceu Conceição Machado, que foi, certamente, um dos melhores chefes que o Poder Judiciário do Paraná teve, costumava dizer que, nos últimos momentos de poder, nem mesmo o cafezinho é servido quente aos governantes.

Fez disso uma piada e soube largar o bastão de comando com serenidade e alegria. Era um homem inteligente e só deixou saudade.

Quantos de nossos atuais administradores deixarão? Aliás, um outro pensador anônimo do passado apregoava que “se quiseres conhecer verdadeiramente um homem, dê-lhe autoridade”. Ou então, o popular, mas também verdadeiro: “Queres conhecer o poltrão? Dê-lhe o bastão”. Às vezes, o resultado é catastrófico, como o presente tem comprovado.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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