A gente sempre faz uma sentença em cima da outra. E a gente busca a anterior que mais se aproxima. Nosso sistema tem modelo para que a gente comece a redigir em cima dele. Eu faço isso em todas as minhas decisões. Raramente começo a redigir uma sentença do zero porque seria um retrabalho.

A JUÍZA GABRIELA HARDT teve anulada a sentença que subscreveu no caso do sítio de Atibaia. Porque, segundo o TRF-4, copiou e colou sentença anterior, de Sérgio Moro. Mais, segundo o acórdão do tribunal, a juíza fez o mesmo com manifestações do ministério público. O TRF-4, ainda que de modo implícito, acabou por exigir que as sentenças tenham o atributo da originalidade das peças literárias e dos trabalhos científicos. Leia-se o que afirmou um dos julgadores, desembargador Leandro Paulsen: (…) reproduzir como seus, argumentos de terceiro, copiando peça processual sem indicação de fonte, não é admissível”.

O ACÓRDÃO chega perto de afirmar que as manifestações nos processos estariam protegidas pelos direitos autorais. Pior, naquele modo sutil e sinuoso das palavras dos profissionais do Direito, sugere que a juíza cometeu plágio, “copiando peça processual sem indicação da fonte”. Mais de cinco décadas na área, primeira vez que vejo isso. NO Brasil quem não copia se estropia. Devíamos copiar mais, como os chineses e sua engenharia reversa, quando desmontam o produto desenvolvido a custo elevadíssimo pela tecnologia estrangeira e surgem com o similar a preço baixíssimo para derrubar a concorrência. A juíza Hardt simplesmente aproveitou a tecnologia de sua área.

GABRIELA explica com a sinceridade dos puros. Fez a sentença “em cima da outra”, porque o sistema da J. Federal tem “modelo para que a gente comece a redigir em cima dele”. Com suave candor confessa: “faço isso em todas as minhas decisões”. Louvável seu rigor de praticidade ao ganhar tempo evitando o “retrabalho”. Excesso de rigor do tribunal. Advogados, procuradores, juízes e autores copiam uns aos outros. Se os argumentos estão acessíveis no “sistema”, sem a criptografia do PDF, por que não copiá-los. A ciência do direito não é tão rica a ponto de se exigir a originalidade de procurar o sinônimo que evite a suspeita de plágio.

O TRF-4 podia ter espírito-de-corpo, estender à juíza Hardt a condescendência que naquela esfera de elevada e insuspeita originalidade os magistrados concedem uns aos outros. Na pior das hipóteses anular a sentença pela omissão das aspas quando da transcrição dos trabalhos alheios. Melhor seria a medida profilática do provimento, regra normativa geral, para que os juízes da área do TRF-4 adotem o método de engorda de livros e teses acadêmicas de Direito: transportar os textos alheios para as notas de rodapé. O que traz risco de as notas, como na metáfora, façam o rabo mais forte que o cachorro.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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