As joias do Millôr

ivan_marcosdepaulaAE288IMS incorpora 7 mil originais que abrangem 75 anos de produção do mordaz artista carioca.Ivan Fernandes. Foto de Marcos de Paula

Millôr Fernandes costumava dizer que “quem tem obra é pedreiro”, talvez demonstrando certa ojeriza pela “canonização” de um legado. Com a remoção, esta semana, do acervo que o artista gráfico, caricaturista, cartunista, escritor, dramaturgo e jornalista deixou em sua cobertura-estúdio em Ipanema, fica claro que ele foi um pedreiro pródigo, que erigiu condomínios intelectuais inteiros.

Cedido em comodato por 10 anos ao Instituto Moreira Salles (IMS) pelo seu filho, Ivan Fernandes, o acervo pictórico de Millôr Fernandes revela notável capacidade de produção, que compreende sua carreira desde o início, aos 13 anos, até a morte, aos 88 anos, em março de 2012. Há também 44 quadros, cartas, álbuns, uma mapoteca, artigos de jornais e revistas (foi colaborador do Estado entre 1996 e 2000).

“Estou cedendo o acervo sem nenhum tipo de restrição, a não ser a exigência de que seja mantido no Rio de Janeiro”, diz Ivan Fernandes, de 59 anos, filho do artista. “Claro que isso não impede de o instituto fazer exposições em qualquer lugar do País ou do mundo.” Fernandes acredita que o material inventariado na cobertura possa conter pelo menos 80% do que Millôr produziu, considerando-se a data inicial de 1945 como base.

A obra de Millôr será abrigada, no Instituto Moreira Salles, na reserva técnica da coleção de iconografia, que possui cerca de 2,7 mil imagens (a maioria de pintores-viajantes dos séculos 16 a 19). Millôr trará o setor para os séculos 20 e 21. O Instituto Moreira Salles informou que não pagou pelo arquivo, foi uma cessão voluntária da família. E que não tem intenção de incorporar novos acervos que tenham “algum parentesco” com a produção gráfica de Millôr. A peculiaridade da obra é que atraiu o IMS.

“Ele é tão absolutamente excepcional que não inaugurará nenhuma ala no instituto, será apenas ele. É porque é o Millôr, um cara de exceção: um excepcional artista gráfico, que escrevia muito, que também produzia aforismos e haicais, que também era dramaturgo e um tremendo tradutor”, afirma Flávio Pinheiro, superintendente do Instituto Moreira Salles.

Segundo Julia Kovensky, coordenadora de iconografia do IMS e responsável pelo levantamento, nada do que ela encontrou no acervo estava em estado precário. Apenas um ou outro clipe oxidado para ser removido. Millôr mantinha tudo muito bem preservado e organizado, tanto que ela fez em cinco dias aquilo que esperavam que levasse um mês de trabalho. “O que me impressionou foi o volume muito grande de trabalhos, é uma obra monumental”, afirmou Julia.

O que não está ali pode ainda ser “garimpado” pelo mundo e vir a integrar o acervo. A família é zelosa para evitar um “derrame” de obras do artista. Na semana passada, por exemplo, surgiu um desenho num leilão no Rio de Janeiro. O proprietário disse que ganhara o desenho de Millôr quando este tinha 15 anos, mas não tinha comprovação disso. Por exigência da família, o desenho foi retirado do leilão. Ivan Fernandes diz que uma das exigências de seu pai quando era ilustrador de jornais e revistas é que seu trabalho fosse publicado apenas uma vez e que lhe fossem devolvidos os originais.

Quanto aos seus quadros, dificilmente poderão aparecer surpresas em sua produção. Fernandes conta que Millôr só fez três exposições individuais na vida: uma no Museu de Arte Moderna, em 1957, na qual não havia venda dos trabalhos (era uma mostra); outra em 1963, na Petit Galeria; e outra na Galeria Grafite, em 1975. Todas essas mostras têm vendas registradas. “Surgir um desenho do meu pai num leilão é quase uma anomalia”, diz.

O blog do IMS (www.blogdoims.com.br) publica a partir de hoje depoimentos sobre Millôr Fernandes escritos por Fernanda Montenegro, Luis Fernando Verissimo, Jânio de Freitas, Geraldo Carneiro e Sergio Augusto. No dia 9 de abril, a Fundação Mário Soares, em Lisboa, exporá 30 reproduções de quadros do artista, com consultoria do filho, Ivan Fernandes.

 Jotabê Medeiros, enviado especial/ Rio – O Estado de S.Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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