As pernas peludas da mudança climática

Tão importante quanto combater o desmatamento é criar narrativas que engajem as pessoas

Sabe qual foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais durante a semana das chuvas que destruíram São Sebastião, fizeram dezenas de vítimas e apontaram para a urgência da crise climática? As pernas peludas da Adriane Galisteu.

Demos errado como civilização? Provavelmente, mas isso envolve outros aspectos e é papo para outra coluna. O que interessa aqui é especular por que, ainda que a questão climática venha sendo alardeada por cientistas e jornalistas desde 1980, até hoje não levamos essa conversa para as mesas de bar, preferindo falar com os amigos sobre as preferências depilatórias dos outros ou sobre o preço das mansões destruídas em São Sebastião, quando seria mais adequado focar no horizonte escuro que se adensa a nossa frente por causa das emissões de carbono, que precisariam, e obviamente não serão, cortadas pela metade até 2030.

É fato que os seres humanos adoram uma fofoca. Longe de ser uma futilidade (e se fosse, que mal teria?), fofocar é apontado como um ato crucial para a sobrevivência da nossa espécie, visto que dissemina informações úteis, como em quem confiar ou com quem se acasalar. Por diversas vezes, fofocar salvou a pele dos nossos antepassados e a nossa, e continuará salvando, mas isso já não é o bastante para nos safar do colapso que vem por aí.

E a questão está bem neste ponto: colapso. Quem quer estragar a alegria de um churrasco tocando a corneta do apocalipse? Quem quer diluir a rodinha da festa falando em justiça climática ou compensação de carbono? Se os seus chapas curtem essa conversa, por favor me chamem para a próxima festinha, já que eu mesma cansei de espantar amigos me aproximando deles com a bíblia da mudança climática debaixo do braço.

Tão importante quanto combater o desmatamento, cortar o carbono e mudar as matrizes energéticas é criar narrativas de clima que engajem as pessoas. Que sejam tão envolventes e sexy quanto as pernas peludas da Adriane Galisteu.

No livro “Nós Somos o Clima”, Jonathan Safran Foer nos indaga: “será que o cristianismo teria se propagado se, em vez de ser crucificado, Jesus tivesse sido afogado em uma banheira? O diário de Anne Frank teria sido lido por tantas pessoas se ela fosse um homem de meia-idade escondido atrás de uma despensa em vez de uma moça de beleza perturbadora escondida atrás de uma estante de livros? Até que ponto o curso da história foi influenciado pela cartola alta de Lincoln ou pela tanga de Gandhi?”

Em seu livro, Safran Foer também diz que “boas histórias se tornam História.” É delas que precisamos. E não só delas: de toda e qualquer narrativa sobre clima. Das complexas dos cientistas, das sérias do jornalismo, das bem-humoradas dos quadrinistas, das contundentes dos parlamentares, das inspiradoras dos poetas, das cativantes das crianças, das descomplicadas dos influencers, das triviais das mesas de bar.

Todo coro é pouco para o desafio que temos pela frente.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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