Assistindo à estreia de Casablanca

Um programa de cinema sai do passado e viaja 77 anos até nós

Achei outro dia uma pequena coleção de antigos programas de cinema, aqueles folhetos que ficavam empilhados na entrada dos cinemas para que os pegássemos e lêssemos sobre o filme a que iríamos assistir. Era uma cortesia dos exibidores e durou até pelo menos fins dos anos 1960, quando os cinemas ainda competiam em beleza, conforto e arquitetura. Muitos espectadores levavam o programa para casa e só por isso lotes deles às vezes chegam até nós, em leilões de colecionismo ou sebos.

Pois, entre outros, o que está à minha frente é o de “Casablanca” —o filme de 1942, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, claro— e justamente o programa de sua estreia no Rio, em setembro de 1943, no cinema São Luiz. Para quem não o conheceu, o São Luiz, no largo do Machado, foi talvez o cinema mais bonito do Brasil, com seus enormes salões Art Déco, de pé-direito altíssimo, espelhados de alto a baixo. Posso quase ver aquele espectador —um dos primeiros do filme por aqui— passando os olhos neste exato programa que tenho em mãos e, mesmo lendo que se tratava de “um film atualíssimo, vibrante e apaixonado!”, incapaz de imaginar o que o esperava na tela.

Hoje, já tendo visto “Casablanca” em todas as mídias possíveis, não há quem não saiba tudo sobre o filme, inclusive como ele termina. Mas como seria assistir a ele no cinema pela primeira vez?

O fulano terá se emocionado quando Bogart e Ingrid se reencontram ao som de Dooley Wilson cantando “As Time Goes By”? Terá vibrado com a sequência em que o café inteiro se junta a Paul Henreid puxando a “Marselhesa” e abafando o “Die Wacht am Rhein” dos nazistas? E como terá se sentido quando, no final, Ingrid toma o avião para Lisboa com…?

Bem, você sabe com quem. E acho que o espectador também não se desapontou com o desfecho —porque levou o programa para casa e, 77 anos depois, ele chegou às minhas mãos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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