No barzinho da sinuca no quarto andar do Curitibano, o misto quente e a Coca Cola tinham perdido todo o sabor. Dei uma desculpa esfarrapada à turma e voltei para casa. Domingo fim de tarde tinha o programa de jazz do Virmond. Parecia proposital. Billie Holiday, do fundo de sua Angst, cantou para mim Gloomy Sunday. O folclore jazzístico apelidou a música de “a canção do suicídio húngaro”, em função da nacionalidade do compositor.
Sunday is gloomy, my hours are slumberless/Dearest, the shadows, I live with are numberless (Domingo é tétrico, minhas horas insones/Querido, as sombras em que vivo são intermináveis.)
A noite de agosto chegou rápida, tenebrosa, garoa fina e umidade glacial, pegajosa. Nossa casa era onde terminava a Alameda Carlos de Carvalho, uma alameda sem nenhum pé de árvore. Eu precisava de um antídoto contra aquele veneno desconhecido e insidioso. Peguei uma velha bicicleta enferrujada que já conhecera melhores dias e parti para os pagos do Bigorrilho. Passava – só eu na rua – pelas casinhas iluminadas, aquelas pessoas na sala de jantar ouvindo rádio, ainda não havia TV, protegendo-se umas às outras da solidão.
Além da minha casa, as ruas não eram calçadas, barro puro. E as ruas do Bigorrilho eram ladeiras assassinas, com ângulos de 45 graus ou mais. Montanhas-russas, tobogãs de lama. Ignorava meu potencial atlético, mas encarei alguns declives assustadores. Depois da queda livre, havia o esforço de subir a pé com a bicicleta para empreender um novo mergulho. Me empolguei pela brincadeira.
Em Caiobá eBaixando de bike no barro do Bigorrilhou praticava um exercício zen de saltitar entre as pedras à beira-mar, você não dava margem para o desequilíbrio, pairava praticamente o tempo todo entre uma rocha e outra. Fiz coisa parecida nos fundões do Bigorrilho.
Voltei para casa todo molhado, enlameado, mas com a alma lavada. Foi assim que comecei a sobreviver aos domingos que, para mim, ainda são terríveis.