Beldades sênior

Na hora não aguentei e explodi: Você é um machista pleistocênico, canalha misógino, pulha preconceituoso. “O que é isso?”, veio a resposta, “não se fala assim com uma amizade de quarenta anos”. Que pode acabar aqui e agora, respondi. E tinha motivo. Estava cansado das crônicas de pseudo-sedução dele, que contava da última e da penúltima.

Dera o fora na penúltima, o motivo: “Não aguentava o cheiro do KY e fui procurar o produto natural”. O “produto natural” era secretado pela última, agora no último lustro de dispensar o KY. Por esta e pelo conjunto da obra foi a razão da acusação, que repito. ‘Na mulher você vê o sexo, não a essência. Os frentistas de postos de gasolina são mais sensíveis e gentis, tanto com as mulheres quanto com os automóveis: têm carinho com aquelas e aqueles que consomem lubrificantes de alta viscosidade, para motores cansados’.

“Pô, não é assim, eu trato bem as mulheres”, diz-me o inimigo do KY. ‘Sim’, respondo, ‘você trata bem, enche de presentes e troca de dois em dois anos. Não vou dizer que não mereceram ou que foram santas, sabiam onde e com quem estavam deitando’. “Péra aí, eu não sou essa porcaria toda”.  ‘Não, você tem o maior dos charmes, é rico, bilionário, bem situado, consagrado na profissão. Mas nem por isso deixa de ser uma bosta’.

Continuo sem absolver suas ex-mulheres – tirando, claro, a santa mãe dos filhos, primeira e pioneira no descarte -, elas também levaram vantagem. Algumas ficam sem jeito quando lembradas de que foram suas mulheres: comprovei com uma delas, em recente jantar. ‘Você não as valoriza: elas são mais bonitas que você, mais inteligentes, têm a cultura que você nunca terá, não usam o palito de dentes para tirar a areia das unhas dos pés durante o almoço na praia’.

Todas serviram a seus propósitos arrivistas e profissionais. O mínimo que merecem nesta altura é respeito e reconhecimento. “Vejo que estou falando com um santo, que não sacaneou mulheres”, foi a estocada dolorida que recebi. Dei razão, fiz isso, mas em grau infinitamente menor. Agora estou curado, respondi. “Como?”, perguntou, “já vi você com duas coroas diferentes”. O lobo perde o pelo e não perde o vício. Não são coroas, são beldades sênior, respondi.

“E você faz o quê com elas? Pelo jeito só elogia”. ‘Faço tudo que você faz, inclusive com o KY, que você reclama nelas mas não sabe o quanto ajuda a na meia bomba do Viagra. Mas faço melhor, faço a transa de avós’. “Transa de avós, o que é isso”. Respondo que é uma transa igual às outras, com a diferença que os parceiros têm netos. Ele não perde oportunidade de conhecer novos domínios da sacanagem. “Como funciona essa transa de avós?”

Igual às outras, respondo. ‘A gente no escuro, para esconder as pelancas; a coisa vai devagar, muitas vezes dispensamos o Viagra e o KY, ficamos ali de conversa fiada e puxamos o arquivo de fotos do celular. Um dia contei a uma avó do filme do Don Juan em que Marlon Brando e Faye Dunaway, os dois na cama, brincavam de cuspir pipoca para o alto’. “Então assistem filmes de sacanagem, veem nudes próprios e alheios?”. Não, respondo, ali, na boa, peladões, só curtindo as gracinhas dos fedelhos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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