Ou a morte ou o livro

O testamento literário de Marguerite Duras

Em junho de 2021, tomei conhecimento por este jornal, na coluna Painel das Letras, que a editora mineira Relicário lançaria dez obras da autora francesa Marguerite Duras. Fiquei animadíssima, uma vez que não é fácil encontrar traduzido o vasto material da romancista: mais de 50 livros, roteiros premiados de cinema (por exemplo: “Hiroshima, Meu Amor”), peças de teatro e ensaios.

Somente agora li “Escrever”, coletânea com cinco textos originalmente lançada em 1993, cerca de dois anos antes da morte da escritora, e considerada, sobretudo por seu texto de abertura, e que dá nome à obra, uma espécie de testamento literário de Duras.

Os curtos ensaios “A morte do jovem aviador inglês”, “Roma”, “O Número Puro” e “A Exposição da Pintura” são carregados de dor, inquietação e beleza, mas passaram longe de me emocionar tanto quanto “Escrever”, leitura obrigatória sobretudo para quem, em qualquer momento da vida, decide redigir algum parágrafo com coragem. É bem bonita e até divertida a passagem em que Duras sugere que escritores limpinhos ou com medo do que têm a dizer não são os melhores.

Marguerite está em sua casa, em Neauphle-le-Cháteau e decide debater o ofício da escrita com o cineasta e amigo Benoit Jacquot. Para ela, escrever é como “encontrar-se diante de um buraco, no fundo de um buraco, numa solidão quase total, e descobrir que só a escrita vai te salvar”. E, no caso de Duras, salvou mesmo: a autora garante que sem a rotina compulsiva dedicada à literatura, teria se tornado dependente de álcool.

O que lemos é o registro de um magnífico, honesto e visceral texto falado, o que me lembrou um pouco a leitura dos seminários do médico e psicanalista Jacques Lacan. Não à toa, Lacan é citado bem no comecinho da fala de Marguerite: “Ela não deve saber que escreve aquilo que escreve. Porque ia se perder. E isso seria uma catástrofe”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Tati Bernardi - Folha de São Paulo e marcada com a tag , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.