Para salvar a Americanas da Vila Madalena, basta rebatizá-la de Americanarias

Iogurterias, temakerias, esfiherias…vou abrir uma NADERIA

Quando a gente era criança e queria ir a uma padaria ou sorveteria, era só dizer: ei, mãe, ei, pai, vou ali na papelaria. Que ingênuos. Ninguém tinha ideia do risco que estávamos correndo. Não sabíamos muito bem o que aconteceria com o mundo. Mais precisamente com São Paulo, e em especial com dois bairros da cidade: Pinheiros e –ainda pior– Vila Madalena. Não me surpreenderia se mudassem o nome para Vilaria Madalenaria.

A gente não imaginava que, um dia, um herdeiro de avô escravagista —um rapazote cheio de ideias progressistas para um mundo mais justo, que funciona como uma fábrica de justiçaria, e cuja cabeça opera na frequência energética de uma verdadeira sonheria– pensaria que uma lanchonete deveria se chamar hamburgueria. Ou que para vender roupas você teria que abrir uma rouparia.

Ninguém desconfiaria que nesse dia, nessa hora, um portal do “algumacoisaria” se abriria e que livre a gente nunca mais estaria. Perdão se está saindo tudo meio na poesia. (Certeza que na Vila já abriram alguma poesiaria.) Não à toa, nas proximidades do bairro, existe até um bar/livraria cujos donos, na dúvida entre classificar como drinqueria, botecaria ou livrariaria, chamaram apenas de Ria.

As paleterias passaram pela vida dos paulistanos deixando a certeza de que nem sempre vale a pena apostar na desejaria de ser o empresário de uma endinheiraria. Mas em seu lugar ficaram as ruas fechadas em dias de feiraria, as posterias de gasolina e as moderníssimas iogurterias, temakerias, esfiherias, brigaderias, cupcakerias, brownerias, suquerias, polpetonerias, musculaterias, esmalterias, camiseterias, brinquederias e Mãe Terrarias. Para salvar ao menos a Americanas da Vila Madalena, bastaria rebatizá-la de Americanaria.

Meu maior desejo hoje, e por isso escrevo esta crônica, é encontrar patrocínio para abrir, na bequeria do Batman, uma NADERIA. Um lugar que, desculpe se parecer meio óbvio, não tem ninguém. Não vende nada. Não tem paredes. Não tem portas. Não expõe produtos. Ali o capitalismo não impera –tampouco qualquer militância. Lá não se precificam objetos e não se objetificam humanos. É mais do que um não lugar: é o templo inatingível e inexistente de um niilismo que nem tenta esnobar qualquer sentido, posto que nem sequer nasceu. Já vejo um futuro tão promissor para o que não funciona que já quero abrir a promissoraria. Eu não consigo parar.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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