Bolsonaro de aviso prévio

Se o Brasil fosse um país normal e aqui as coisas corressem nos conformes, o ex-capitão Jair Messias Bolsonaro já deveria estar procurando emprego porque o gato da presidência começa a subir no telhado (*). Depois dos depoimentos na CPI da Pandemia dos ex-ministros da Saúde Henrique Mandetta e Nelson Teich, do atual, Marcelo Queiroga, e do presidente da Anvisa, nem precisa mais ser ouvido o general Eduardo Puzzuello, aquele que, como se sabe, foi testado positivo para o vírus do cagaço, como revelou o site Sensacionalista.

Mandetta confirmou que Bolsonaro desprezou a ciência no combate à pandemia; adotou um discurso negacionista, ajudando a espalhar a Covid-19; e ignorou a recomendação expressa e escrita do Ministério para evitar o colapso de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população, incluindo a negativa da aquisição de vacinas. Além da insistência de s. exª. em dar mau exemplo, participando de aglomerações públicas e não usar máscara.

Nelson Teich, que ocupou a cadeira de ministro durante apenas 29 dias, confirmou que encerrou o expediente por falta de autonomia de trabalho e por divergências com Jair Messias quanto ao uso da cloroquina, além da existência de palpiteiros externos.

O depoimento do atual ministro da Saúde Marcelo Queiroga foi um exercício de contorcionismo de quem não quer desagradar o presidente, mas sabe que as ações presidenciais não merecem crédito nem respeito, e a solução está nos ditames científicos, na vacinação em massa e nos cuidados elementares com o isolamento social, higiene e uso de máscaras. O depoimento de Queiroga foi duramente criticado pelo presidente da CPI, por haver se esquivado de responder perguntas incômodas e de dar a opinião pessoal sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento precoce, defendido por Bolsonaro.

Por outro lado, surpreendeu positivamente o testemunho de Antônio Barra Torres, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que, apesar da conhecida amizade com o presidente, foi de uma sinceridade inesperada ao criticar o uso de cloroquina, medicamento ineficaz contra a Covid-19, ainda que tenha sido pressionado para dizer o contrário. Criticou o negacionismo de Bolsonaro e disse que declarações dele sobre as vacinas vão contra tudo o que a a agência preconiza. Confirmou também a tentativa de alteração da bula do remédio para torná-lo indicado no tratamento da pandemia. O depoimento de Torres causou profundo constrangimento no Palácio do Planalto.

O general Eduardo Pazzuello, o penúltimo ministro da Saúde de Bolsonaro fugiu de depor na CPI, alegando que tivera contato com dois auxiliares que testaram positivo para o coronavírus, embora fosse flagrado passeando, dias antes, em shopping de Manaus, sem máscara e feliz da vida. Sua presença na CPI seria de fundamental importância, posto ter sido o principal cúmplice do capitão-presidente na confusa e criminosa gestão de combate à pandemia. Incompetente e submisso, com ele a pandemia avançou, as mortes quadriplicaram, o atendimento hospitalar virou um caos, vacinas foram rejeitadas, faltaram leitos, medicamentos, respiradores e até oxigênio; houve desinteligência com os governadores e com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde; criou-se um estúpido atrito com a China, fornecedora dos insumos para a fabricação das vacinas no Brasil; a orientação para a vacinação foi um desastre, com inúmeros cronogramas do Programa Nacional de Imunização… A atuação de Pazuello contaminou a imagem do presidente e, como general da ativa, começou a desgastar o Exército. Credita-se a ele boa parte das mais de 428 mil mortes de brasileiros.

Daí o pavor do especialista em estratégia e logística (!!) de comparecer à CPI. Testou positivo para o cagaço, como registrou o site humorístico Sensacionalista. Aliás, o mérito da frase – segundo o jornalista, escritor e linguista Sérgio Rodrigues – está exatamente na palavra cagaço, “uma escolha vocabular feliz”. Explica: “Cagão, cagarolas e caguincha são alguns dos mais expressivos sinônimos de medroso entre as dúzias que o Houaiss lista, de maricas favorecido pelo presidente ao timorato dos eruditos, passando pelos populares frouxo e banana e pelos clássicos poltrão e mofino”.

Por tudo isso, acredito nem ser mais tão importante o depoimento de Pazuello na CPI. A conduta de Bolsonaro já está bem definida. E Pazuello está a requerer uma CPI própria. Aliás, ele já é alvo de investigações no STF (Supremo Tribunal Federal).

 (*) Se o leitor não conhece a célebre expressão “o gato subiu no telhado”, informo-lhe, com a ajuda do site da Gazeta do Povo: “Um casal tinha um gato ao qual devotava muito cuidado. Um dia tiveram de viajar e deixaram o bichano aos cuidados de uma empregada. Passados alguns dias, a funcionária ligou para o casal e avisou: o gato morreu. A mulher entrou em choque. O marido explicou que a empregada deveria ter ‘preparado o terreno’ antes de contar a triste verdade. Podia dizer que o gato subiu no telhado, depois que ele perdeu o equilíbrio, caiu. Ao fim, contaria o que ocorreu. Ela aprendeu. Tempos mais tarde, o casal voltou a viajar. Em meio ao passeio, o homem ligou para a empregada e perguntou se estava tudo bem na casa. ‘Aqui está tudo bem’, disse ela. ‘Mas a sua mãe subiu no telhado…’ ”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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