Um Angeloni no lugar do hospital

Eu, no bosque do Hospital Bom Retiro. Do livro “Leve a sério o que ela diz, de Isabella Lanave. Solda

Moradores marcam evento para o próximo domingo em defesa do espaço, que eles queriam um bosque

Demolido em 2012, o antigo Hospital Psiquiátrico do Bom Retiro começou a dar lugar à estrutura de um supermercado. O espaço – considerado histórico e simbólico para a cidade – vai abrigar a quarta unidade da rede Angeloni em Curitiba. Moradores que defendem a intervenção da prefeitura para a construção de um bosque no local farão um evento no próximo domingo (9) com o objetivo de chamar a atenção da causa.

O grupo catarinense confirmou a aprovação do projeto. Disse que ainda não existe um cronograma de obras, mas que vai manter parte da área preservada conforme compromisso assumido junto aos órgãos ambientais.

A fase inicial das obras começou há cerca de duas semanas, após um longo período de imbróglio judicial. Tapumes e arames isolam o espaço, mas fotos aéreas mostram parte do verde já consumido.

A discussão de transformar a área em um parque aberto ao público não é de agora. Começou em 2018, quando foi anunciado o projeto do supermercado no lugar que abrigou as instalações do hospital psiquiátrico por quase 70 anos. O comunicado gerou intensa mobilização social. Moradores do entorno encaminharam uma petição à prefeitura contrária à desfiguração urbana da área de quase 60 mil metros quadrados, dos quais praticamente metade corresponde ao bosque. O documento teve mais de 12 mil assinaturas.

Segundo o Angeloni, a empresa adquiriu 17 mil metros quadrados para a obra, na parte sul do terreno maior, sendo que quatro mil metros quadrados são compostos por bosques nativos.

Em 2013, o Ministério Público do Paraná (MPPR) já havia ajuizado uma ação civil pública tentando fazer com que a prefeitura reconhecesse o imóvel como Unidade de Interesse de Preservação (UIP) e, consequentemente, reconstruísse o hospital nos moldes originais. O processo também pediu à Justiça que impedisse o município de autorizar qualquer intervenção no bosque nativo e na Área de Preservação Permanente (APP) em volta, com proposta de condenação e multa para ações contrárias. Os requerimentos foram atendidos em liminar, que acabo julgada improcedente em maio de 2020. Em março do ano passado, a ação transitou em julgado, e o caminho para o empreendimento ficou livre.

Hospital psiquiátrico do Bom Retiro

Embora o terreno nunca tenha pertencido ao poder público – passou das mãos da Federação Espírita do Paraná (FEP) para uma construtora e, então, para o Angeloni -, o grupo de moradores que levantou as assinaturas para o abaixo-assinado diz não haver necessidade de um novo estabelecimento do tipo na região. A menos de 800 metros de onde será erguido a nova loja da rede estão localizados outros dois grandes supermercados de grande porte.

“Uma das nossas preocupações é o que realmente vai acontecer. Eles dividiram o terreno no meio, há um boato que parte do bosque foi devolvido à prefeitura. Se realmente foi doada, quem vai cuidar e no que vai ser transformado? É o que a gente gostaria de saber”, disse  Eloy Fassi Casagrande Junior, um dos mobilizadores da manifestação marcada para o próximo domingo.

Professor da Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR), onde coordena o Grupo de Pesquisa Tecnologia e Meio Ambiente, Casagrande diz ainda também haver uma inquietação entre moradores em relação ao impacto da obra na fauna e na flora características do bosque.

“Tem toda uma memória ali que a gente gostaria de preservar, uma história importante que poderia ser incorporada ao bosque e fazer dele um parque diferente dos demais”.

Em nota, o Angeloni afirmou que “o processo de licenciamento para a construção da loja incluiu todos os estudos ambientais necessários para concessão de licença” e que os 4 mil metros quadrados formados por bosques nativos, dentro dos 17 mil metros quadrados adquiridos, serão integralmente preservados e mantidos, conforme compromisso assumido junto aos órgãos ambientais.

“O Projeto de Revitalização de Bosque Nativo Relevante tem como fundamental objetivo a recuperação ecológica e o enriquecimento florestal com plantas de espécies nativas”, diz o texto.

O terreno onde funcionou o Sanatório Bom Retiro, depois transformado no Hospital Espírita de Psiquiatria, foi legado de um dos patronos do espiritismo no Paraná, Lins de Vasconcellos. A desejo do religioso, corpo dele foi enterrado no local. Com a demolição, em 2012, os restos mortais tiveram de ser transferidos.

Em 2017, quando a ação civil pública movida pelo MP ainda tramitava, Rafael Greca chegou a afirmar que o antigo hospital psiquiátrico receberia o Memorial Paranista e o Jardim de Esculturas João Turin. Ambas as homenagens foram inauguradas no parque São Lourenço em maio do ano passado – exatamente quando a Justiça deu por encerrado o processo aberto a pedido da Promotoria de Meio Ambiente.

A prefeitura se manifestou após a publicação do conteúdo. Segundo a Secretaria de Urbanismo, o espaço do antigo hospital é formada por dois lotes de propriedade particular, e em um deles foi autorizada a construção do hipermercado. O alvará foi emitido em 25 de julho deste ano e determinou, segundo a pasta, a manutenção do bosque, situado na parte dos fundos do terreno.

Evento

Moradores do entorno do hospital programam para o próximo domingo um movimento para cobrar respostas da prefeitura em relação ao abaixo-assinado enviado pelos moradores e que nunca resultou em diálogo.

O ato será em forma de evento. Chamado de “minimercado cidadão”, será uma feira a céu aberto, com trocas de brinquedos, livros infantis e figurinhas da copa e apresentação do ator e contador de histórias Carlos Daitschman.

“Ao lavar as mãos e ignorar mais 11 mil assinaturas e nada fazer para impedir a chegada de um imenso Angeloni no Parque Bom Retiro, o prefeito repete como farsa a épica vitória de Josué sobre os amorreus – quiça a mais antiga representação de um eclipse na Bíblia”, diz o post na página do movimento, que desde formado é conhecido como a “Causa mais bonita da cidade”.

O evento está programada para a Rua Nilo Peçanha, das 10h30 às 16h30.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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