Crer pra ver

Assim como os fãs de Super-Homem, os bolsonaristas nunca se fazem perguntas sobre Bolsonaro

Numa palestra recente sobre qualquer assunto, falei em “suspension of disbelief” e me perguntaram o que queria dizer. Difícil de traduzir. “Suspensão da descrença”? Tentei explicar: é como ignorar as evidências contra alguém ou alguma coisa e continuar acreditando nele ou nela. Para simplificar, dei um exemplo: a saga do Super-Homem.

Como até as pedras sabem, Super-Homem nasceu em Kripton, planeta que explodiu devido a uma reação em cadeia. Seus pais mandaram o bebê para a Terra numa nave espacial, um minuto antes da explosão. Certo. Supondo que Kal-El, nome do garoto, fosse amamentado durante a viagem por um peito automático, quem lhe trocava as fraldas quando ele fazia xixi? Quem lhe aplicava talco às virilhas assadas? Quem o ajudava a dar aquele arrotinho?

Super-Homem é o Homem de Aço, lembra-se? Em adolescente, ao dançar cheek to cheek com a namoradinha num baile, como fazia para disfarçar suas ereções, sendo estas também de aço? Com dentes idem, de aço, como o dentista conseguia tratá-lo? E, já adulto, em sua vida civil como Clark Kent, bastava-lhe usar óculos para disfarçar sua identidade. Como era quando os tirava para limpá-los na presença de sua colega, a arguta repórter Lois Lane?

Clark tinha às vezes de entrar numa cabine telefônica para trocar de roupa e se transformar em Super-Homem. Como tirar o chapéu, terno, camisa, gravata, sapatos e meias em tão diminuto espaço e em alta velocidade? E onde guardá-los? Dizem que dobrados num bolso interno da capa. Mas não estariam terrivelmente amarrotados quando ele os vestisse ao voltar para seu emprego no jornal Planeta Diário?

Sim, são perguntas de espírito de porco, que os devotos de Super-Homem nunca se fariam. Tal e qual os zumbis de Jair Bolsonaro, que, contra todas as evidências, vivem numa cega “suspension of disbelief” sobre as atrocidades de seu mito. É crer para ver.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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