Brasil respira de novo com o fim da era Bolsonaro

Chegou ao fim a era Jair Bolsonaro. Não nos esperam um jardim florido, um amanhã que canta; pelo contrário, há muitas pedras no caminho.

Mas hoje é dia de celebrar em nome de muita coisa. Da floresta, dos povos originários, que seriam destruídos sem piedade com a sequência da política bolsonarista. Da humanidade que, diante da possibilidade de proteção da Amazônia, respira um pouco mais aliviada tendo em vista a ameaça das mudanças climáticas.

Celebrar em nome das crianças brasileiras que terão a oportunidade de um mutirão pelo ensino, depois da tempestade perfeita: pandemia e uma sequência de incompetentes ministros da Educação.

Celebrar pela paz, uma vez que é possível reverter a política que inundou o país de armas e transformou a sala de jantar de bolsonaristas como Roberto Jefferson num arsenal de fuzis e granadas.

Celebrar pela cultura que emergir desse clima de guerra criado por teóricos da extrema direita, pela ciência que poderá florescer diante de negacionistas que se recusam a admitir a existência de um perigoso vírus ou mesmo a aceitar a forma real do planeta Terra.

Agora, com a derrota de Bolsonaro e seus falsos discursos sobre defesa da família, é possível que amigos, primos e irmãos se reconciliem, sem que isso represente uma capitulação diante das preferências do outro. Aceitar a diferença, despedir-se do clima de ódio é algo tão urgente em nosso país que o próprio Papa Francisco o ressaltou em sua fala no Vaticano.

A esta altura da vida, não tenho ilusões. Nem creio que a gigantesca tarefa de recolocar o Brasil no rumo dependa apenas de um novo presidente. Acredito, no entanto, que o processo de redemocratização que nos trouxe do exílio vive uma nova chance.

Hoje não é dia de falar nisso, mas precisaremos saber por que chegamos a Bolsonaro e que tipo de antídoto social produziremos para evitar uma nova queda. A distância entre os políticos e as pessoas comuns foi uma excelente chance para os oportunistas do tipo vamos “derrubar tudo o que está aí” — leia-se derrubar as instituições.

Vivemos inundados por um tsunami de fake news. Elas foram uma grande ameaça à campanha. Mas são e serão sempre também ameaça a governos. Precisaremos encontrar pontos de convergência que nos unam diante do interesse nacional e compreender que fake news não se combatem apenas com repressão.

Precisaremos de cursos que ensinem os cidadãos a usar seus próprios filtros para que possam resistir a essa arma. Precisaremos encontrar os pontos de convergência, o inequívoco interesse nacional, que possam nos unir, ainda que apenas por alguns momentos.

Precisaremos aprender a distinguir conservadores de reacionários, a mostrar aos religiosos de boa-fé que se equivocaram ao acreditar em líderes espúrios como Jefferson ou Bolsonaro.

São tantas as qualidades que o novo momento exige de nós, que temo anuviar a celebração ao enunciá-las. Paciência, habilidade, imaginação, tolerância, todos esses componentes terão de se combinar não apenas para gritar “nunca mais” como possivelmente todos gritam hoje.

Precisaremos nos entender sobre como transformar o nunca mais numa realidade. No auge das grandes manifestações pelas eleições diretas, ao voltar do exílio, não imaginei que isso era um problema real.

Agora que o autoritarismo, a violência, a intolerância e o obscurantismo rondaram de novo nosso país, seria um absurdo riscar da agenda esse compromisso com o nunca mais.

A maioria do povo brasileiro escolheu um caminho. Nossa missão é trabalhar incansavelmente para que seja um novo caminho, e não apenas mais um descaminho no labirinto da nossa História.

O mundo inteiro celebra nossa volta à comunidade internacional, nossa reintegração ao esforço humano para sobreviver num planeta em crise.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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