A brigada à paisana

O BRASIL tem 6 mil militares da ativa em cargos civis. Isso equivale a uma brigada, o antepenúltimo nível superior da força de terra. Legal e normal, pois funcionários civis saem e voltam para os cargos – alguns nem voltam, como os que se elegem e ficam 30 anos em mandatos parlamentares. Sociólogos (Raymundo Faoro, por todos, n’Os Donos do Poder) estudaram o patrimonialismo da função pública: o sujeito entra no cargo e só sai pelo tempo, pela idade ou pela improbidade. Não é dono do cargo no sentido estrito, mas não o deixa a não ser na forma da lei. Até lá vai ficando, entra e sai como porta giratória de cozinha.

Enquanto está fora, em cargo de outra área, pode optar pelo salário melhor. Normal? Dentro da lei, sim. Acontece que os órgãos públicos têm lotações, tantas pessoas para cada cargo, no pressuposto que aquele número corresponde à necessidade do serviço (uma falácia, que encobre a difícil mensuração da eficiência no serviço público). Quando o funcionário deixa seu cargo para outra função, em outro órgão, seu cargo terá que ser exercido por outro, seria a lógica.  Mas dificilmente acontece, o que leva à percepção de que a lotação está mal dimensionada, que não necessita de tantos funcionários.

No entanto, no Brasil funciona assim. Sempre o patrimonialismo, resquício da realidade que vem do Império; também patrimonialismo pela pressão que fazem os funcionários sobre o Estado para se proteger da instabilidade, da dispensa por desnecessidade. A alternativa, dizem, seria pior, o spoil system dos americanos, pelo qual as mudanças periódicas de partidos no poder renovam intensa e extensamente com entradas e saídas os quadros de funcionários, jamais estáveis em cargos. A cultura americana admite sem danos a situação porque obedece ao pressuposto da eficiência e da probidade.

O Brasil não tolera a instabilidade, pois a administração pública seria alvo de empreguismo acentuado pelas mudanças no poder. Ou seja,  corrupção atenuada pelo patrimonialismo nos cargos. É uma deformação do sistema, que, mesmo abonada pelas reservas contra o mal maior, leva à pergunta, que se faz quanto aos 6 mil militares da ativa se sobrevier uma guerra ou a ditadura que exijam sua atuação? Como o problema será atendido? Convocando reservistas ou ou os militares fora de suas funções? Avança-se: 6 mil militares ativos fora de suas funções, ainda são necessários às suas corporações?

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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