Cala a boca já morreu

Os impropérios são rotineiros na relação de Bolsonaro com a imprensa. O estranho é que a maioria deles seja direcionada às mulheres

Me desculpem a ousadia. Mas que tal inverter os papéis? E, recorrendo ao mesmo palavreado chulo que o presidente usa constantemente contra repórteres mulheres, soltar o que está preso na garganta de milhões de brasileiros que esperam a saída imediata desse presidente insano, irresponsável, criminoso. E responder à altura.  

Esse governo é uma merda de governo. Você é uma porcaria de presidente. E cala a boca! Nós chegamos como quisermos, onde quisermos e cuidamos de nossas vidas. Está feliz agora?

(Só para lembrar: enquanto Bolsonaro faz campanha contra o uso de máscaras, aglomera e desacredita a vacina, a maioria da população apoia essas medidas, tem usado máscara e corrido atrás de vacina)

Você é um canalha. Você faz um governo canalha. Canalha que não ajuda em nada, você não ajuda em nada! Você destrói nossa esperança, destrói nossas vidas.

(Só para lembrar: o presidente não comprou as vacinas quando devia, investiu criminosamente na imunidade de rebanho, fez propaganda de remédios comprovadamente ineficazes e agora tem que explicar esse escândalo de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin)

Você não presta! Seu governo não presta! É um péssimo governo. Você tinha que ter vergonha na cara em se prestar a um serviço porco que é esse governo que você faz.

Invertendo o sujeito das frases, as ofensas foram dirigidas nestes termos pelo presidente à repórter Laurene Santos, da TV Vanguarda, e à Rede Globo, durante uma passagem por Guaratinguetá. Quatro dias depois, as grosserias contra repórteres mulheres repetiram-se. E que tal tratar o presidente do mesmo jeito deseducado com que tratou a jornalista Victória Abel, da CBN, em Sorocaba, quando ela quis saber detalhes do escândalo da Covaxin?

Por que essa vacina? Vamos. Responda! Onde é que tem vacina na prateleira para ser vendida?

(Só para lembrar: primeiro o governo mentiu. O secretário Onix Lorenzoni alegou que as denúncias de irregularidades apontadas pelo chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Fernandes de Miranda, ao presidente, dia 20 de março, no Alvorada, eram baseadas num documento falso, embora o documento esteja no sistema do MS. E que o funcionário seria investigado. Agora, o presidente diz que o problema era a falta de um zero no contrato, problema que, segundo ele, “foi corrigido no dia seguinte”. Admite que esteve com o funcionário e o irmão dele, deputado Luís Miranda. E pergunta: “Tem algum recibo meu pra ele? Foi consumado o ato?”)

– Presidente, pare de dar respostas idiotas, pelo amor de Deus. Você deveria voltar para a faculdade (aliás, fizeste alguma?), para o ensino médio, para o jardim de infância e nascer de novo.

(Só para lembrar: ao depor na CPI da pandemia, o deputado Luís Marinho confirmou que naquele encontro, três meses atrás, o presidente disse que aquilo era coisa do seu líder na Câmara, deputado Ricardo Barros. Barros, que foi autor da emenda que permitiu a compra de vacinas não aprovadas pela Anvisa, jura inocência. Bolsonaro prometeu investigar, mas nada aconteceu. E, mais suspeito: já sabendo do escândalo que envolvia Barros, Bolsonaro nomeou a mulher dele para o Conselho da Itaipu Binacional, com o “modesto” salário mensal de r$ 25 mil.)

– Ridículo! Você é presidente aonde? Vamos dar respostas inteligentes e verdadeiras, presidente.

Os impropérios são rotineiros na relação de Bolsonaro com a imprensa. O estranho é que a maioria deles seja direcionada às mulheres. No início do mês, por exemplo, a vítima foi a âncora da CNN Daniela Lima. Ela comentou a notícia do saldo positivo de vagas no trabalho formal abertos em abril: 120 mil vagas. Mas lembrou que era o pior resultado do ano. Foi ofendida pelo presidente, e mais uma vez façamos o exercício de devolver a ofensa.

– Você é um quadrúpede.

E quem não se lembra da declaração machista de Bolsonaro, pouco mais de um mês depois de tomar posse? Ele fez insinuações caluniosas contra a jornalista Patrícia Campos Melo, responsável por revelar o esquema de disparo massivo de mensagens durante a campanha dele nas eleições de 2018. Retruquemos, na mesma moeda.

– Por que o senhor não dá um furo? Sabemos que o senhor quer dar o furo a qualquer preço contra a nação. Chega de fake news.

Na verdade, trata-se de um misógino. Certa vez, ainda como deputado federal, atacou a repórter Manuela Borges, da Rede TV. Ela ouviu desaforos só porque questionou a defesa que ele fazia ao movimento militar que mergulhou o Brasil numa ditadura. Imagina o contrário…

Você é um idiota. Você é um ignorante. Você tá querendo impor a tua verdade pra cima de mim. Tô cagando e andando pra você

Contra a jornalista Miriam Leitão, os insultos foram sistemáticos. No último deles, acusou Miriam de participar da guerrilha do Araguaia e de mentir sobre torturas e abusos sofridos na prisão. A jornalista foi presa em 1972, quando era estudante universitária e estava grávida. Ficou três meses encarcerada e sofreu todo tipo de tortura. Nunca participou nem cogitou participar da guerrilha do Araguaia e foi absolvida das acusações de que foi alvo em todas as instâncias. Ou seja:

– Mentiroso é você, presidente. Mentiroso!

Certamente, alguém irá contestar. Não podemos baixar o nível e se igualar a uma pessoa tão desrespeitosa e má educada. Admito. Mas não se trata de oferecer a outra face. Penso que só assim, ouvindo desaforos, ele poderá sentir a revolta e a indignação que tomam conta da maioria da população brasileira.

Agora acaba de sofrer um golpe fatal. Prevaricou. Sabia do escândalo da vacina indiana, foi alertado pelo funcionário do Ministério da Saúde, nada fez e ainda tem o seu líder na Câmara denunciado como o articulador do esquema criminoso que iria lesar os cofres públicos em R$ 1,6 bilhão – a Covaxin era a mais cara das vacinas, não tinha aprovação da Anvisa, o acordo foi feito em tempo recorde e previa pagamento antecipado a uma empresa em Cingapura. A CPI da Pandemia vai entrar com uma notícia-crime ao STF por crime de prevaricação do presidente. Enquanto isso, a ex-mulher do ajudante de ordens Pazuello pede para depor. O que ela tem a contar? Tensão no Planalto…

A CPI trabalha e a Justiça também parece estar fazendo a sua parte. Na quinta-feira, condenou o governo federal a pagar, por danos morais coletivos, uma multa de R$ 5 milhões pelas ofensas contra as mulheres em declarações públicas feitas principalmente pelo presidente. Certamente, Bolsonaro vai negar as ofensas e usar a AGU para recorrer.

Ofensas, agressões, misoginia, fake news, corrupção, improbidade administrativa, prevaricação… Presidente, sua batata já assou.   

Para completar:

– Mais uma para a conta do governo. O senador Flávio, aquele das “rachadinhas”, abriu as portas do BNDES para o amigo Francisco Maximiano pedir dinheiro. Ele é o dono da Precisa, a tal empresa que intermediou a compra suspeita da vacina indiana, e da Xis Internet Fibra.

– O 01 solicitou audiência ao presidente do banco para que ele ouvisse “a boa ideia trazida pelo senhor Maximiniano para que o BNDES pudesse entender e, quem sabe, dar algum suporte para levar internet para o Norte e para o Nordeste”. Suporte?… Ah, bom…

– Ricardo Barros está metido em outra operação suspeita de compra de uma vacina chinesa com a intermediação de uma empresa de Maringá, reduto do deputado. O Centrão não sabe o que fazer. O Planalto também não.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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