Travessuras de gente famosa – I

Contar histórias e peripécias de personagens nacionais e até internacionais não é bem a minha especialidade. Essa tarefa é do companheiro de blog Paulo Roberto Ferreira da Motta. Mas hoje vou invadir a seara dele, pedindo desculpas ao Paulo pelo atrevimento.

O escritor Jorge Amado e o pintor, ilustrador, gravador e escultor Hector Julio Páride Bernabó, mais conhecido como Carybé, figuras de proa da arte e da cultura brasileiras, eram amicíssimos. E ambos se destacavam pela mania de pregar peças nos outros.

Conta Zélia Gattai, mulher de Jorge e também escritora, que, depois de anos morando no Rio de Janeiro, Jorge resolveu voltar a morar na Bahia. Depois de passar um bom tempo batendo pernas em busca de um lugar ideal, o casal acabou optando por uma casa localizada à rua Alagoinhas, no alto de uma ladeira, no bairro seteropolitano do Rio Vermelho. Não era bem a casa de seus sonhos, necessitava de reformas, muitas reformas, mas era muito bem situada, com uma deslumbrante vista do mar em toda a sua grandeza.

A primeira providência a ser tomada seria com relação ao terreno, coberto pelo mato. Jorge contratou um jardineiro, seu Quiquinho. Zélia não foi com a cara dele. Achou-o com toda pinta de preguiçoso e malandro. Pediu dinheiro para comprar adubo e, dias depois, um caminhão despejou no terreno dos Amado montanhas de lixo: misturadas com a terra, latas de sardinha vazias, papéis apodrecidos, uma fedentina dos diabos. Irritado, Jorge despachou o tal Quiquinho no mesmo dia, substituindo-o pelo seu Ambrósio, homem pacato, boa gente, que capinou o terreno todo, fez uma limpeza geral e começou a plantação de laranjeiras.

Passado algum tempo, Jorge recebeu a visita de um jovem que lhe entregou um papel, pedindo-lhe que assinasse o recibo. Só depois ele foi ver do que se tratava. Não entendeu. Pediu a ajuda de Carybé, que o visitava: “Veja se você entende isso, Cariba”.

Era um papel timbrado com as armas da República, da Justiça do Trabalho, notificando o dr. Jorge Amado para uma audiência de uma reclamação trabalhista proposta por Francisco Bispo dos Santos, onde havia a advertência de que o “não comparecimento implicaria em revelia e confissão”.

– É uma intimação – revelou Carybé.

– Até aí eu entendi – disse Jorge. Mas quem é esse tal de Francisco Bispo dos Santos?

– Pense bem, Jorge. Como era o nome daquele jardineiro do estrume pobre, que você despediu?

– Quiquinho – respondeu Zélia.

– Pois aí está – explicou Carybé. Quiquinho é apelido de Francisco. É o próprio que está te intimando.

Jorge ficou fulo de raiva: “Mas eu paguei o infeliz, que nem devia ter pago. Que miserável! Jogou lixo no meu terreno, recebeu e agora vem com essa…”.

Um pouco mais calmo, lembrou-se do amigo Walter da Silveira, advogado trabalhista, conceituado e temido. Voou para o telefone.

– Resolvo esse caso com um pé nas costas – tranquilizou o advogado. Conheço bem o juiz, um cretino, meu desafeto, ele vai ver o que é bom.

Carybé despediu-se. Ao sair, fez um sinal para Zélia. Na porta, recomendou a ela para que Jorge desistisse do Walter: “Não vá contar nada para ele, mas isso é uma brincadeira minha, de Tibúrcio e da Gizella”.

Claro que Zélia contou tudo em seguida a Jorge. A reação de Jorge foi a esperada: “Carybé? Coisa de Caribé?! Só podia ser coisa dele mesmo. Que miserável! Mas ele me paga!”

Jorge telefonou para o advogado Walter, que prometeu sigilo, e pediu a Zélia que não dissesse a Carybé que havia lhe contado do trote.

Na véspera da audiência, Nancy, mulher de Carybé, convidou Jorge e Zélia para jantar em sua casa, ao qual compareceram os demais componentes do complô: Tibúrcio e Gizella.

Carybé e Tibúrcio chamaram Zélia em particular, no quarto. Estavam apavorados com o que poderia acontecer.

– Olha, compadre – disse-lhes Zélia. Não consegui convencer Jorge a desistir de Walter. Já está tudo combinado, eles vão juntos ao Tribunal, amanhã cedo. Jorge está furioso e pretende também dizer umas boas ao juiz.

Carybé e Tibúrcio estavam tão agoniados e nervosos, que dava pena.

Ao voltarem para casa, Zélia pediu a Jorge que telefonasse para Carybé, que, de tão aflito, podia ter uma coisa…

Jorge: “Não, o castigo dele e de Tibúrcio só vai terminar amanhã, depois de uma noite mal dormida.

Dito e feito. Na manhã seguinte, depois da noite muito mal dormida, Carybé correu à casa de Walter e, constrangido, contou ao advogado o que ele já sabia, mas fingia não saber. E considerou o assunto encerrado.

Nem tanto. Ainda faltava Jorge vingar-se de Gizella. O que ele fez, por falta de espaço, conto amanhã.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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