É extremamente intrigante perceber como os primeiros anos após a descoberta do Brasil, pelo que têm de escabrosos, estão mais para contos-de-terror do que para História propriamente dita.
Em meio a tantos relatos mais próximos da lenda do que dos acontecimentos, impossível desconhecer os que vão narrados na célebre Chronica Brasilis. O documento é tido por muitos como fraudulento, que dão sua origem no início dos seiscentos.
Mas, segundo outras fontes, a Chronica foi forjada em meados do século 19 por frei Damião de Santa Luzia para vingar-se da Corte, e impresso provavelmente em Coimbra, na tipografia de um tal Seleno Ciprião (ou Simeão) Barreiro (ou Parreira) de quem a História só guarda, e guarda mal, o nome. É exemplar pelo que devassa da cruenta alma de nossos antepassados.
Segundo modernos pesquisadores, só há dois exemplares da Chronica Brasilis: um na Torre do Tombo, em Lisboa, e outro na Biblioteca do Vaticano, havendo inclusive dúvidas se esta última possui mesmo o livro entre os seus milhões de títulos. O número de cópias a rigor não importa.
O relevante na Chronica Brasilis são as notícias que nos dá sobre os albores dos quinhentos cá na terrinha. Senhores, de cara, e em princípio, os acontecimentos que expõe são, em todos os sentidos, degradantes para qualquer brasileiro. De ontem ou de hoje.
Só para se ter uma idéia , assim que criado o sistema de capitanias hereditárias, em 1532, com vistas à colonização do Brasil, e mormente a Capitania de São Vicente (do rio de São Vicente até a nossa Ilha do Mel…), tudo era permitido aos colonizadores. Desde escravizar índios até estuprar “as nativas novas e virgens”. Com as bênçãos de Deus e o beneplácito del rey, nosso amo e senhor, claro.
Mesmo para quem justifica uma antropofagia aqui ou outra acolá – não aceitará alguns relatos que sob a pena fraudulenta (será? Há quem os considere autênticos…) de frei Damião de Santa Luzia, posto que retrato fiel, ainda que impiedoso, da desterrada alma luso-brasileira.
Aqui um dos cruentos registros: “Se uma silvícola emprenhar de seu senhor sem que este queira o fruto de seu ventre, poderá arrancar de dentro da selvagem o feto com as próprias mãos”. Tal indecente édito é igualmente acompanhado das bênçãos de Deus e dos “bons augúrios del Rey”.
Tivéssemos espaço e estômago, aqui ficaríamos a referir outros horrores permitidos, e praticados, pelos primeiros colonizadores da Terra Nova. Mas como o espaço é pouco e o estômago sensível, anote-se, na qualidade de fecho desta crônica lúgubre, as estatísticas a seguir.
Só em dois meses de 1552, foram transportados para Portugal, 12.507 papagaios, 7.800 macacos, 547 antas, justificando-se tão grande número de animais pelo simples fato de que de 70 a 80% deles morriam na travessia… Verossímel demais, gentil leitor, para se constituir apenas numa provocação do rebelado frei Damião de Santa Luzia.