Chronica brasilis – 2008

É extremamente intrigante perceber como os primeiros anos após a descoberta do Brasil, pelo que têm de escabrosos, estão mais para contos-de-terror do que para História propriamente dita.

Em meio a tantos relatos mais próximos da lenda do que dos acontecimentos, impossível desconhecer os que vão narrados na célebre Chronica Brasilis. O documento é tido por muitos como fraudulento, que dão sua origem no início dos seiscentos.

Mas, segundo outras fontes, a Chronica foi forjada em meados do século 19 por frei Damião de Santa Luzia para vingar-se da Corte, e impresso provavelmente em Coimbra, na tipografia de um tal Seleno Ciprião (ou Simeão) Barreiro (ou Parreira) de quem a História só guarda, e guarda mal, o nome. É exemplar pelo que devassa da cruenta alma de nossos antepassados.

Segundo modernos pesquisadores, só há dois exemplares da Chronica Brasilis: um na Torre do Tombo, em Lisboa, e outro na Biblioteca do Vaticano, havendo inclusive dúvidas se esta última possui mesmo o livro entre os seus milhões de títulos. O número de cópias a rigor não importa.

O relevante na Chronica Brasilis são as notícias que nos dá sobre os albores dos quinhentos cá na terrinha. Senhores, de cara, e em princípio, os acontecimentos que expõe são, em todos os sentidos, degradantes para qualquer brasileiro. De ontem ou de hoje.

Só para se ter uma idéia , assim que criado o sistema de capitanias hereditárias, em 1532, com vistas à colonização do Brasil, e mormente a Capitania de São Vicente (do rio de São Vicente até a nossa Ilha do Mel…), tudo era permitido aos colonizadores. Desde escravizar índios até estuprar “as nativas novas e virgens”. Com as bênçãos de Deus e o beneplácito del rey, nosso amo e senhor, claro.

Mesmo para quem justifica uma antropofagia aqui ou outra acolá – não aceitará alguns relatos que sob a pena fraudulenta (será? Há quem os considere autênticos…) de frei Damião de Santa Luzia, posto que retrato fiel, ainda que impiedoso, da desterrada alma luso-brasileira.

Aqui um dos cruentos registros: “Se uma silvícola emprenhar de seu senhor sem que este queira o fruto de seu ventre, poderá arrancar de dentro da selvagem o feto com as próprias mãos”. Tal indecente édito é igualmente acompanhado das bênçãos de Deus e dos “bons augúrios del Rey”.

Tivéssemos espaço e estômago, aqui ficaríamos a referir outros horrores permitidos, e praticados, pelos primeiros colonizadores da Terra Nova. Mas como o espaço é pouco e o estômago sensível, anote-se, na qualidade de fecho desta crônica lúgubre, as estatísticas a seguir.

Só em dois meses de 1552, foram transportados para Portugal, 12.507 papagaios, 7.800 macacos, 547 antas, justificando-se tão grande número de animais pelo simples fato de que de 70 a 80% deles morriam na travessia… Verossímel demais, gentil leitor, para se constituir apenas numa provocação do rebelado frei Damião de Santa Luzia.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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