Cinema é a pior diversão

Eduardo Affonso

A exemplo dos restaurantes, que têm áreas para fumantes e não fumantes, cinemas deveriam ter sessões separadas para falantes e não falantes.

É justo que os falantes tenham direito a quase todas as sessões, já que são eloquente maioria. Poderiam, inclusive, exigir os melhores horários, as maiores salas.

Os que vão para ver o filme em obsequioso silêncio ficariam relegados à meia-noite, ou, no máximo, a alguma sessão perdida nas tardes de terça, num cinema de bairro.

Os tagarelas é que mantêm viva a sétima arte: consomem baldes de refrigerante, tonéis de pipoca. Levam a namorada. Vão em bando para colocar a conversa em dia, e se divertem muito mais que aqueles que submergem na sala escura para se esquecer de si por hora e meia – e nesses noventa minutos viver outras vidas, viajar nos travelings, perder o fôlego em planos-sequência, e só voltar à tona nos créditos, assistidos com fervor até o final.

Já passou da hora de os cinemas se adaptarem ao público falante. Deviam eliminar as poltronas em linha, que dificultam a conversa com quem não está ao lado e atrapalham a saída nas inevitáveis idas ao banheiro por causa dos baldes de refrigerante.

Por que não colocar mesas, com cadeiras em volta? E o piso sem desníveis ou escadas mal projetadas, nas quais volta e meia se tropeça. Também seria bem-vinda mais luminosidade, para que a luz da telona não atrapalhe a da telinha do celular. E um bom sinal de uaifai. E tomadas para recarregar os aparelhos (uma hora e meia de uso ininterrupto consome muita bateria).

Poderia haver garçons servindo bebidas, música ambiente — uma banda de rock, uma dupla sertaneja — e, no lugar da tela branca e fria, uma decoração bacana, ou mesmo um janelão por onde se pudesse ver a paisagem lá fora.

Cinemas assim poupariam os espectadores da pior coisa de se ir ao cinema, que é aquela gente chata pedindo silêncio, mudando de lugar para tentar escapar da luzinha azul do celular da fila da frente, sempre com a desculpa esfarrapada de querer “ver o filme”.

Quer ver filme, fica em casa, ora! Não foi para isso que inventaram a tevê a cabo e a Netflix?

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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