Com a lâmpada acesa

Se você, jovem leitor, é fã de Luís Fernando Veríssimo, escritor, humorista, cartunista, tradutor, roteirista de televisão, autor de teatro e saxofonista, autor do “Analista de Bagé”, da “Velhinha de Taubaté e de outros tantos sucessos, precisava ter conhecido o pai dele – o velho Erico, de “O Tempo e o Vento”, “Incidente em Antares” e “Solo de Clarineta”. Eis aí outro brasileiro que está fazendo muita falta ao Brasil e aos brasileiros.

Além de romancista de nomeada – ou contador de histórias, “fascinado pelas pessoas e pelos problemas humanos”, como ele preferia identificar-se –, lido e aclamado em vários idiomas, Erico Veríssimo era um homem de posições definidas e corajosas, consciente e participante, cuja voz – como anotou o professor gaúcho Sergius Gonzaga –, “independente dos livros que escrevia, ecoava por toda a Nação”. E que, numa época em que ainda existia esquerda e direita, ousou atacar as duas. Em defesa da democracia e da liberdade de expressão. Exatamente quando essas duas instituições eram palavras malditas, abominadas pelo poder dominante, e estavam banidas do vocabulário brasileiro – como tenta fazer novamente o atual psicopata do Planalto Central.

– Esse negócio de liberdade – dizia Erico – me faz lembrar de um episódio da minha infância. Quando menino, fui chamado a segurar uma lâmpada, enquanto um soldado operava um pobre-diabo que tinha sido “carneado” pela polícia municipal. Ele estava horrivelmente ferido, apareciam-lhe os intestinos e tinha o rosto todo retalhado. Eu sentia medo e náusea, mas não larguei a lâmpada. Acho que a nossa tarefa, como escritor, é esta: com medo ou não, segurar a lâmpada acesa para deixar que apareçam as injustiças do mundo.

E acentuava: “Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos de nosso posto”.

Este era Erico!

Assim, creio eu, precisam ser os jornalistas. Com náusea ou com medo, devem sustentar acesa a luz que desnuda aos olhos da população os vendilhões da Pátria, os falsos defensores do povo e a caterva que está sempre pronta para desfrutar os benefícios do poder.

Modestamente, tenho procurado fazer a minha parte, gastando, como me é possível, os meus palitos de fósforo. Sem medo, mas com muita náusea, confesso.

Sempre tive Erico como um dos meus tipos favoritos. E como exemplo. De competência profissional, de dignidade, de integridade e coragem pessoais e, mais do que tudo, de coerência – um destemido soldado na defesa dos direitos humanos e da liberdade de pensamento e de ação, com acentuado sentimento de justiça e toda repugnância pela violência e por qualquer tipo de tirania ou totalitarismo.

Ele confessava ter apenas um receio: de perder a capacidade de indignação e cair na resignada aceitação.

– Não quero ser indiferente – frisava, acrescentando: “Dentro de mim ouço sempre meu grito de indignação. Quando choro pelo outro, sei que estou chorando por mim. Quando tenho receio pelo outro, tenho-o também por mim. Não sou santo, sou homem”.

Sim, um homem, mas um homem fascinado pela capacidade humana de sobreviver e para quem o grande herói deste país sempre foi e sempre será o povo, o ser comum, que, se continua vivo e na luta, é de teimoso.

Erico Veríssimo sabia que “no Brasil, infelizmente, o governo não é exercido por estadistas, mas por homens de negócio”.

Continua sendo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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