Como pude ser tão ingênuo?!

Imaginem vocês que, até a entrada em cena do ínclito e operoso procurador geral da República, doutor Augusto Aras; dos vigilantes bacharéis do grupo Prerrogativas e até da recente manifestação do meu querido amigo e velho companheiro Mário Montanha Teixeira Filho, aqui mesmo no Zé Beto, eu achava que a denominada Operação Lava-Jato havia sido a maior iniciativa de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história do Brasil. Iniciada em março de 2014, com a investigação perante a Justiça Federal em Curitiba de quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, apontara irregularidades na Petrobras, maior estatal do país, bem como em contratos vultosos, como o da construção da usina nuclear Angra 3. Passou a ter desdobramentos no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Distrito Federal, além de inquéritos criminais junto ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.

Em quase sete anos de atividade, que seriam completados em março, a operação foi dividida em 79 fases, durante as quais foram realizadas 1.343 buscas e apreensões, 130 prisões preventivas, 163 prisões temporárias e 130 denúncias. Quinhentas pessoas foram acusadas, 52 sentenças dadas e 278 condenações aconteceram, a 2.286 anos e 7 meses de pena. Em ação estiveram 4.220 policiais. Além disso, foram propostas 38 ações civis públicas, sendo o recorde delas em 2019 (12), incluindo ações de improbidade administrativa contra 3 partidos (PSB, MDB e PP).

Por outro lado, mais de R$ 4 bilhões foram recolhidos aos cofres públicos por meio de 185 acordos de colaboração e 14 acordos de leniência, nos quais se ajustou a devolução de cerca de R$ 14,3 bilhões. Só de valores repatriados foram R$ 745.100.000,00.

Do valor recuperado, R$ 3.023.990.764,92 foram destinados à Petrobras, R$ 416.523.412,77 aos cofres da União e R$ 59 milhões para a 11ª Vara da Seção Judiciária de Goiás – decorrente da operação que envolveu a Valec. Também já reverteram em favor da sociedade R$ 570 milhões utilizados para subsidiar a redução dos pedágios no Paraná.

Com isso, a Lava Jato abalou as estruturas do sistema político brasileiro, colocou no banco dos réus e mandou para a cadeia por corrupção, lavagem de dinheiro, associação criminosa, evasão de divisas e ocultação de patrimônio, dirigentes partidários, doleiros, lobistas, parlamentares, ex-ministros, executivos das maiores empreiteiras do país, dirigentes da Petrobras, dirigente do Banco do Brasil e um ex-presidente da República. Organizações empresariais, que dominavam a administração pública nacional praticamente desde a proclamação da República – como Galvão Engenharia, Camargo Corrêa, Construtora OAS, Mendes Júnior, Engevix e Norberto Odebrecht –, foram desnudadas em praça pública. E recolhidos aos costumes os estrelados Alberto Youssef, José Dirceu, Marcelo Odebrecht, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco, Renato Duque, Gerson Almada, Ricardo Pessoa, Luiz Argolo, Pedro Corrêa, João Vacari Neto, Eduardo Cunha, Delcídio do Amaral, Nestor Cerveró, André Esteves, José Carlos Bumlai, João Santana, Delúbio Soares, Eike Batista, Antônio Palocci, Joesley Batista e Luiz Inácio Lula da Silva.

Eis que, de repente, sou informado que tudo não passou de encenação. Pior: de uma tramoia maquiavelicamente urdida pelo ex-juiz maringaense Sérgio Fernando Moro e pelo procurador da República pato-branquense Deltan Martinazzo Dallagnol e de seus colegas da Procuradoria da República no Paraná, com o apoio do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, para atingir e criminalizar figuras não apenas inocentes e probas, mas da maior dignidade da vida pública nacional.

O verdadeiro objetivo, segundo o Padre João, deputado federal pelo PT, foi, tão-somente, acabar com Lula e com o Partido dos Trabalhadores. Para que? “Para servir os interesses do capital internacional, sobretudo do Estados Unidos” – esclarece o bem informado parlamentar.

Então, o zeloso procurador geral da República deu o golpe de misericórdia na Lava-Jato (especialmente na de Curitiba), extinguindo a operação e a força-tarefa envolvida, agregando a atividade aos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) dos Estados, e fingindo que tudo continuaria igual.

Já o estimado Mário lamenta que a bandeira de combate à corrupção, “de aparência nobre e edificante, tenha sido apropriada, desde sempre, por malandros incorrigíveis, golpistas convictos e heróis de mentira”. E garante que coube a Moro e a Dallagnol, “dois expoentes da ‘nova’ ordem jurídica brasileira”, em “ações espetaculares executados por agentes da Polícia Federal”, “realizar a vingança em nome do ‘povo’”.

Pois é, meu bom “Da Montanha”, graças à decisão do diligente doutor Aras, a gente perdeu a ingenuidade, a ordem foi restaurada, Moro e Dallagnol viraram criminosos passíveis de punição, atos jurídicos poderão ser derrubados e o Judiciário voltará ao seu velho e tradicional ritmo, que nós, ex-funcionários do Poder, conhecemos muito bem.

Os bandidos comemoram com justificada alegria.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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