Como seria a vida de Cristo no Brasil atual?

E um Jair gritaria: ‘Sou favorável à cruz mesmo, à tortura. E o povo é também!’

Estamos na Semana Santa, tradição cristã que, atualmente, representa a ressurreição de Cristo no domingo de Páscoa (embora seja, originalmente, uma festividade de religiões consideradas “pagãs”).

A festividade também nos faz refletir sobre como seria se o protagonista da história vivesse nos dias de hoje. E se, em vez de Israel e Palestina, ele tivesse nascido no Brasil atual?

Provavelmente, Maria, sua mãe, anunciaria sua gravidez a José. Mesmo se aparecesse um anjo dizendo tratar-se do filho de Deus, o marido responderia: “Eu sou lá homem de criar filho dos outros?”. E sairia para comprar um cigarro e nunca mais voltar.

Sem casa, Maria pariria seu bebê em uma manjedoura, mas seria acusada de ser uma invasora de terra do MST e expulsa pelo proprietário.

Os três reis magos seriam enviados para dar presentes ao menino Jesus, mas questionariam: “Se a gente der presentes, esse bebê vai virar um vagabundo que não sabe ir atrás do seu sustento. Ele precisa trabalhar duro para ganhar a mirra, o incenso e o ouro”. E o menino ficaria sem presentes.

Já adulto, Jesus seria batizado em um rio pelo primo, João, mas contrairia uma diarreia violenta causada pela poluição do local.

Após se recuperar, começaria suas pregações em uma praça. “Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança”, diria. De longe, ouviria um cidadão de bem gritar: “Vai para Cuba, comunista!”.

Jesus pregaria: “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos céus”. Na praça, um expectador refutaria: “Ah, virou babá de bandido? Se tá com dó, leva pra casa”.

“É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”, diria Jesus. Mas um transeunte gritaria: “Ah, agora virou crime ser rico no Brasil?”.

Quando o filho de Deus dissesse: “Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra”, alguém responderia: “Tem é que encher o inimigo de bala! Por isso que tem que armar a população”.

No fim, quando Jesus fosse preso, torturado e crucificado, um homem chamado Jair gritaria: “Eu sou favorável à cruz mesmo. Funciona! Eu sou favorável à tortura, com cruz, tu sabe disso. E o povo é favorável a isso também!”. E completaria: “Tá com dó do bandido? Leva pra casa!”

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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