Contracultura — 2ª parte

Já contei que o poeta Bruno Delecave, ex-estagiário do Pasquim21, prepara monografia sobre a Contracultura brasileira? E que anda me crivando de perguntas sobre a minha experiência neste, digamos, movimento (ou quase, pois movimento bom mesmo é o da Ladeira da Falet, aqui na minha esquina)? Agora, quando encontrei 15 minutos de folga nesta manhã de sábado, levo até vocês mais um trecho da entrevista que deverá ser usada na tese acadêmica do jovem.

1) — Os anos 70 ficaram famosos pela permissividade sexual. Afinal, tinha-se a pílula, mas não existia a AIDS. Nós, que nascemos depois da camisinha, gostaríamos de saber mais sobre as transas que rolavam naquela época. Ou seja, explica o Amor Livre no Solar da Fossa, por exemplo.

TV — Quando se diz que nos anos 60 houve uma revolução nos costumes e no comportamento, estamos falando numa convergência de fatores raros e excepcionais. Assim, à explosão dos meios de massa, rádio e televisão basicamente, veio se juntar a explosão do rock e o fim da rotina horizontal das famílias. Os jovens foram informados de tudo (não me pergunte o quê, certo?) e deixaram o cabelo crescer; decidiram sacudir o corpo com o rock and roll, experimentar (o prazer) das drogas e outras cositas mais. Diante das liberdades conseguidas a tapa, as mulheres puderam igualar sua libido ao referencial masculino de prazer e sexualidade. Elas fizeram uma revolução sexual. O homem que conseguiu ser parceiro das mulheres neste processo de transformação, certamente cresceu como homem e se beneficiou deste momento. Como conseqüência, temos o amor livre e a amizade coloria. Era o fim do pecado.

2) — A palavra desbunde supostamente surgiu na esquerda, para designar quem largava a luta armada. Entretanto, começou a designar quem se encaixava no padrão da contracultura. Qual a relação entre esquerda e contracultura no Brasil?

TV — A esquerda no Brasil refletia influências da revolução russa, chinesa ou apenas marxista, com base na divisão de trabalho, etc. O foco era a liberdade política e suas conseqüências no socialismo da economia. O prazer, o investimento hedonista, as águas de Eros, estas tinham o estigma do pecado, eram considerados desvios típicos dos porras-loucas e desbundados. Embora utilizando os mesmos meios da contracultura, no que tange a clandestinidade, a esquerda (clandestina ou oportunista) fazia o papel da formiga na fábula com a cigarra. Hoje sabemos que – sem remorso – é possível ser formiguinha durante o dia e cigarra à noite. A terceira via é ser cigarra o tempo todo e foda-se o mundo. Também sem remorso.

3) — Você conheceu alguém que se autodefinia desbundado? Quem?

TV — Quase todos da minha geração foram desbundados ou tiveram momentos de desbunde. O Mautner, o Caetano, o Zé Celso, o Raul Seixa, Leila Diniz, Elke Maravilha são pessoas desbundadas – e creio que nenhuma delas negaria isso. O professor Timothy Leary era desbundado.

4) — Conte um pouco sobre o Solar da Fossa. O local era bem ao estilo sexo, drogas e rock and roll? Eles pagavam aluguel? Conte um “causo” legal.

TV— Agora você pode pegar aquela convergência de fatores referida ai em cima e colocar tudo dentro de um casarão. O resultado é que ali estavam porras-loucas, revolucionários, cabeludos, destemidos, grandes talentos e garotas espetaculares que não tinham medo de transar. Para melhor apreciar e entender o fenômeno da contracultura brasileira, o Solar deveria ir para a lâmina do microscópio. Todos os vestígios típicos dos anos 60 vão aparecer nos 85 apartamentos da pensão Santa Teresinha, como era o nome oficial. Pelo menos nos três primeiros anos (dos oito de existência) todos pagavam aluguel, depois o esquema foi se alterando e, nos dois últimos anos, ninguém pagava aluguel.

Ficaram famosos os passeios da Maria Gladyz, completamente nua pelos corredores do Solar, talvez sob o pretexto de fazer “laboratório de teatro”. Audácia e ousadia eram impulsos comuns entre estes jovens. Como diz o Roberto Talma na abertura do meu livro: “No Solar da Fossa – onde havia um grande elenco de mulheres bonitas – se você não tivesse alguma literatura, um pensamento filosófico atualizado, uma conversa definida sobre arte, você não comia ninguém.”

5) — Hélio Oiticica parecia querer ligar a sua arte, altamente contracultural, diga-se de passagem, com o conceito de marginal. Entretanto outras pessoas, como Waly Salomão, se incomodavam com o rótulo de poeta marginal. Qual sua opinião?

TV — Não era só o Waly que implicava com esta pecha. Conheço vários poetas que consideram o termo pejorativo. Eu gosto do conceito de marginal. Ele trás um estigma muitas vezes desconfortável porque é excludente, é verdade, mas mesmo assim me agrada.

Toninho Vaz, de Santa Teresa

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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