1) — Os anos 70 ficaram famosos pela permissividade sexual. Afinal, tinha-se a pílula, mas não existia a AIDS. Nós, que nascemos depois da camisinha, gostaríamos de saber mais sobre as transas que rolavam naquela época. Ou seja, explica o Amor Livre no Solar da Fossa, por exemplo.
TV — Quando se diz que nos anos 60 houve uma revolução nos costumes e no comportamento, estamos falando numa convergência de fatores raros e excepcionais. Assim, à explosão dos meios de massa, rádio e televisão basicamente, veio se juntar a explosão do rock e o fim da rotina horizontal das famílias. Os jovens foram informados de tudo (não me pergunte o quê, certo?) e deixaram o cabelo crescer; decidiram sacudir o corpo com o rock and roll, experimentar (o prazer) das drogas e outras cositas mais. Diante das liberdades conseguidas a tapa, as mulheres puderam igualar sua libido ao referencial masculino de prazer e sexualidade. Elas fizeram uma revolução sexual. O homem que conseguiu ser parceiro das mulheres neste processo de transformação, certamente cresceu como homem e se beneficiou deste momento. Como conseqüência, temos o amor livre e a amizade coloria. Era o fim do pecado.
2) — A palavra desbunde supostamente surgiu na esquerda, para designar quem largava a luta armada. Entretanto, começou a designar quem se encaixava no padrão da contracultura. Qual a relação entre esquerda e contracultura no Brasil?
TV — A esquerda no Brasil refletia influências da revolução russa, chinesa ou apenas marxista, com base na divisão de trabalho, etc. O foco era a liberdade política e suas conseqüências no socialismo da economia. O prazer, o investimento hedonista, as águas de Eros, estas tinham o estigma do pecado, eram considerados desvios típicos dos porras-loucas e desbundados. Embora utilizando os mesmos meios da contracultura, no que tange a clandestinidade, a esquerda (clandestina ou oportunista) fazia o papel da formiga na fábula com a cigarra. Hoje sabemos que – sem remorso – é possível ser formiguinha durante o dia e cigarra à noite. A terceira via é ser cigarra o tempo todo e foda-se o mundo. Também sem remorso.
3) — Você conheceu alguém que se autodefinia desbundado? Quem?TV — Quase todos da minha geração foram desbundados ou tiveram momentos de desbunde. O Mautner, o Caetano, o Zé Celso, o Raul Seixa, Leila Diniz, Elke Maravilha são pessoas desbundadas – e creio que nenhuma delas negaria isso. O professor Timothy Leary era desbundado.
4) — Conte um pouco sobre o Solar da Fossa. O local era bem ao estilo sexo, drogas e rock and roll? Eles pagavam aluguel? Conte um “causo” legal.
TV— Agora você pode pegar aquela convergência de fatores referida ai em cima e colocar tudo dentro de um casarão. O resultado é que ali estavam porras-loucas, revolucionários, cabeludos, destemidos, grandes talentos e garotas espetaculares que não tinham medo de transar. Para melhor apreciar e entender o fenômeno da contracultura brasileira, o Solar deveria ir para a lâmina do microscópio. Todos os vestígios típicos dos anos 60 vão aparecer nos 85 apartamentos da pensão Santa Teresinha, como era o nome oficial. Pelo menos nos três primeiros anos (dos oito de existência) todos pagavam aluguel, depois o esquema foi se alterando e, nos dois últimos anos, ninguém pagava aluguel.
Ficaram famosos os passeios da Maria Gladyz, completamente nua pelos corredores do Solar, talvez sob o pretexto de fazer “laboratório de teatro”. Audácia e ousadia eram impulsos comuns entre estes jovens. Como diz o Roberto Talma na abertura do meu livro: “No Solar da Fossa – onde havia um grande elenco de mulheres bonitas – se você não tivesse alguma literatura, um pensamento filosófico atualizado, uma conversa definida sobre arte, você não comia ninguém.”
5) — Hélio Oiticica parecia querer ligar a sua arte, altamente contracultural, diga-se de passagem, com o conceito de marginal. Entretanto outras pessoas, como Waly Salomão, se incomodavam com o rótulo de poeta marginal. Qual sua opinião?
TV — Não era só o Waly que implicava com esta pecha. Conheço vários poetas que consideram o termo pejorativo. Eu gosto do conceito de marginal. Ele trás um estigma muitas vezes desconfortável porque é excludente, é verdade, mas mesmo assim me agrada.
Toninho Vaz, de Santa Teresa