O que surpreende hoje e assusta é que Guedes se tornou um negacionista, não do vírus da Covid, da vacinação, ou do uso de máscaras, como seu chefe, mas das evidências da realidade econômica
“À força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo” (Machado de Assis)
A Universidade de Chicago sempre está classificada entre as 10 melhores do mundo. Tal honraria obviamente não é gratuita. Sua escola de Economia goza de prestígio extraordinário especialmente no que toca ao pensamento econômico liberal, a defesa do funcionamento livre do mercado e o monetarismo. Uma de suas maiores personalidades foi Milton Friedman (1912-2006), Prêmio Nobel em 1976, talvez o mais famoso dos economistas liberais e um dos mais discutidos e criticados pela esquerda brasileira.
Chicago produziu outros tantos economistas importantes, como Paul Samuelson, que por lá cumpriu seu bacharelado em 1935; Kenneth Boulding, cujo manual é muito conhecido dos estudantes de graduação; Henry Schultz, Frank Knight e George Stigler, este também Nobel, na década de 1980.
Friedman sempre considerou a ciência(?) econômica fascinante e justificava o julgamento por serem seus princípios fundamentais tão simples que podem ser enunciados numa só página para o entendimento de qualquer um. Claro está que essa visão não se sustenta, e Friedman sabia das dificuldades de simplificar a compreensão do ambiente econômico e seus possíveis desdobramentos para o grande público.
Paulo Guedes, a aposta mais importante do governo Bolsonaro, cumpriu nos anos 1970 seus estudos de PHD na icônica Chicago, e isso não é pouco.
Carreira acadêmica de relativo sucesso, foi professor na Católica do Rio de Janeiro, na FGV, no IMPA, e deu partida ao IBMEC. Fundou o Banco Pactual, destacou-se no mercado financeiro e fez fortuna. Antes das eleições, escreveu por semanas na Folha de S.Paulo e em O Globo, onde desancava o que considerava erros de política econômica e o comportamento renegado de políticos, por ele muitas vezes classificados como “criaturas do pântano”.
Agora ministro poderoso (ainda é?) do governo do capitão, que o definiu como “Posto”, em que todas as respostas às nossas agruras econômicas estariam disponíveis, Guedes está obrigado, e não há alternativa, a negociar e quase sempre ceder aos tais “monstros”. É da vida, é da política.
O que surpreende hoje e assusta é que Guedes se tornou um negacionista, não do vírus da Covid, da vacinação, ou do uso de máscaras, como seu chefe, mas das evidências da realidade econômica. O leitor poderá com razão argumentar que faz parte do papel do ministro da Economia discursar o otimismo. Sim, porém há que observar o limite do jogo do contente, o “polianismo” exacerbado, sob o risco de essa positividade transformar-se em ridicularidade.
Parece até que o ministro segue o ensinamento do oráculo Pangloss, personagem de Voltaire, para quem “é preciso dizer que tudo é o melhor possível”.
O ministro Guedes, na contramão da esmagadora maioria dos analistas, vê como equívoco as previsões de não crescimento em 2022. Identificou dois Brasis ‒ um dos “malucos” que enxergam crescimento zero ou mesmo recessão no próximo ano e outro, um Brasil de Poliana, do Doutor Pangloss, do governo Bolsonaro.
Classificou as previsões pessimistas como “conversa de maluco”, assegurando haver o que denominou de “crescimento contratado” e que tem informações “privilegiadas” de planos de investimentos privados prontos a arrebentar no ano que chega. Comemora, com a maior desfaçatez, alta episódica na Bovespa omitindo quedas sequenciais que trouxeram os índices de mais de 125 mil para o entorno de 100 mil pontos.
O crescimento a ser anotado para 2021, qualquer que seja, e apesar de calculado sobre base fraca, se compensar a queda de 2020, terá sido excelente negócio. Os dois trimestres passados apresentaram resultados pífios no desempenho do PIB na comparação com os períodos anteriores. O cenário para a virada de 2022 é de pessimismo, eis que, tanto do ponto de vista interno quanto externo, não se vê luz mesmo fora do túnel.
No mundo, a preocupação com a pandemia permanece e não há sinais iminentes de garantia da reorganização das cadeias produtivas a curto prazo, fator essencial para a normalização de nossas exportações e estabilização dos preços das importações.
Acresce o imperioso combate à inflação, tarefa a que o Bacen se dedica com o afinco necessário, e nesta quarta-feira, 8 de dezembro, o Copom decidirá por nova alta da Selic, que rematará o ano com a taxa no entorno de 10%. Necessária e coerente decisão, porém, um estímulo negativo a mais para o desenvolvimento dos negócios em geral.
Tudo agrupado e ponderado, resta cenário para o ano do bicentenário da independência de crescimento zero ou negativo, ao lado de inflação ainda renitente, em resumo, estagflação. Para evitar o qualificativo grosseiro, creio que o ministro Guedes tem “conversa desarrazoada”.