O atentado na Argentina e o Brasil

A violência política adubada é a maior ameaça às democracias modernas

A cena é aterrorizante. O cano do revólver quase encosta no rosto de Cristina Kirchner. Se a bala tivesse sido disparada, a vice-presidente argentina teria morrido com a cabeça despedaçada, diante das câmeras dos celulares.

Não pude evitar que a memória me trouxesse, como um relâmpago, as imagens do assassinato de John Kennedy, em novembro de 1963, nos EUA. O cérebro do presidente se desintegra. Jacqueline tenta recolher fragmentos dispersos no ar. O balaço de fuzil chocou o mundo e reverberou por gerações.

Na noite deste 1° de setembro, o brasileiro Fernando Sabag Montiel, que tentou atirar em Cristina Kirchner, esteve muito perto de produzir algo semelhante na América do Sul. São contextos diferentes, mas em ambos a violência política, o extremismo e o crime se impõem. O senso de humanidade se esvai por recônditos sombrios e inexplicáveis.

Quase 60 anos separam os dois episódios. E é muito difícil entender por que séculos de esforços e avanços civilizatórios ainda não foram suficientes para nos ensinar a resolver conflitos sem violência. A ciência política, a sociologia, as teorias econômicas, a polícia e a psiquiatria certamente têm explicações para o fenômeno do ódio que vai e vem, ao sabor dos acontecimentos históricos.

Por ora, não consigo expressar nada além da minha perplexidade e temores. A violência adubada e cultivada no exercício da política, amplificada pelos algoritmos e robôs, é a maior ameaça às democracias modernas. O vômito de ódio e extremismo tem poder de contaminação por metástase.

O 6 de janeiro de 2021 nos EUA e acontecimentos mais recentes bem perto de nós, como o ataque a uma comitiva de segurança do presidente colombiano, Gustavo Petro, a agressão ao irmão do presidente chileno, Gabriel Boric, e agora o atentado contra Cristina Kirchner, nos arremessam como uma flecha em direção ao imponderável, às vésperas da eleição que definirá o país que queremos ser.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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