Crônica por quilo

Retalhos da vida

Você chega numa loja pra comprar um massinha pro almoço. É uma dessas rotisserias de bairro, bem compacta. Escolhe, compra, paga. Vai sair e tem uma senhora septuagenária na porta. Ela segura na coleira um enorme cachorro. Ela e o cão devem ocupar uns 80% do espaço de saída. Você fica parado com a sacola de papelão na mão. Espera os dois se tocarem que alguém precisa sair dali. A senhora trata o cachorro feito um bebê. Ah, Bolinha, você é meu amor? É? Ele não é fofo demais? Seu carro ficou num local proibido, uma pick up do DSV ronda a rua. Você não está nada a fim de dividir o momento de carinho mútuo com aquela mulher espalhafatosa, muito menos com o Bernaise gigantesco e babão dela. Pede licença. A senhora faz cara de mágoa. O cão tenta lambê-lo, late agudamente por não conseguir. Quando desvencilha-se de ambos ouve a septuagenária comentar com o dono da rotisseria: mas não é um animal um sujeito desses?

Correio slow motiom

Comprei uma mochila num site na Coreia do Sul pra usar nas férias de julho. Isso deve ter uns 60 dias. De Seul até São Paulo, a compra levou 72 horas pra vir. Só ontem recebi a comunicação dos Correios sobre a chegada do objeto. A boceta (no sentido de porta-objetos) ficou 57 dias parada entre o recebimento e a alfândega brasileira. Sabe como é, meu senhor, teve greve dos caminhoneiros, Copa. Mas o quiprocó não acabou. A carta trazia a explanação sobre como devia-se agir pra retirar a importação. O senhor entra num site, acessa um link, vê se concorda com os impostos (quase do preço da mochila), se concordar paga e aguarda mais uns dias. Não me restava outra alternativa. E ainda aceitei liquidar o indecente fisco. Só que, ao acessar o cartão no site dos Correios, o sistema não aceitou a validade do meu Visa. Curiosamente, o campo “Ano” só vai até 2018, o meu magnético vence em 2026. Tentei resolver a transação no boleto, deu pau. Novo cadastramento. Mais paus na plataforma. Desisti. Horas depois chega um e-mail informando que o pagamento estava consumado. Deus é brasileiro e deve trabalhar nos Correios, só pode ter sido isso. Agora é esperar o sistema processar por completo o pagamento, dar mais três dias úteis e aguardar que o carteiro traga a mochila em casa. Pelo menos, ela vai chegar intacta lá dos confins (ou Cofins?)da Coreia do Sul. A única coisa chata é que, quando aportar chez moi, minhas férias já terão acabado.

Confusão de peso

Vim comprar ração pra minha cadela. As vagas no estacionamento da loja são bem estreitinhas. Quando saía do carro, uma moça veio em minha direção. Ela olhou pro espaço entre meu veículo e o dela e fez uma cara de poucos amigos. No ato, já voltei pro interior do carro. Mas a simples ideia de que eu ia retirá-lo pra que ela pudesse caber no diminuta brecha fez com que a moça desse um guincho de horror. Ah, eu consigo entrar, não precisa mexer em nada. A mulher começou a se espremer toda e a dar mais guinchos. Apareceram logo uns gatos pingados (humanos, apesar de ser um pet shop) meio sem compreender o que acontecia por ali. Como imaginei, a mocinha acabou ficando mesmo entalada. No momento em que escrevo estas mal traçadas no café da loja de artigos para animais, o pessoal de apoio ao cliente está tomando as devidas providências para o resgate. É complicado pra mim, não posso negar. Mas acho que teria sido bem pior se eu tivesse insinuado que ela estava acima do peso. A coisa já estaria, por baixo, no STF. Sem direito a habeas-corpus.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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