Democracia relativa

Presidente Lula, venha cá. Eu estava evitando falar de política e de políticos, para desanuviar a mente. Por isso, entrei em férias, com aparições esporádicas, quando o assunto exigia. Queria ficar longe, durante uma temporada, da administração pública, sobretudo a brasileira, tão repleta de bandidos. Antigamente, aqui ainda existiam alguns “mocinhos”, mas agora parece estar tudo dominado pelos marginais mal intencionados.

Agora, essa de você dizer que a democracia é relativa, foi demais. E logo nos microfones gaúchos! Escuta aqui, caro presidente: democracia é como gravidez. Não há meia gravidez. A menina, moça ou senhora está grávida ou não está. Assim é a democracia. Existe ou não existe. Não há meia democracia nem democracia relativa – isso foi coisa inventada pelo general Ernesto Geisel, penúltimo governante da ditadora militar brasileira, o que, por si só, já não recomenda a repetição. E você, Luiz Inácio, sabe disso e, em sã consciência, seria incapaz de confundir autocracia com democracia.

Daniel Ortega, Nicolás Maduro e o sucessor dos irmãos Castro não são boas companhias, prezado Lula. Na Nicarágua, na Venezuela e em Cuba há sim eleições, mas com cartas marcadas, de candidatos já eleitos. Lá os candidatos da oposição são perseguidos, presos e até mortos. Não são comparáveis aos golpistas de Bolsonaro, “gente que não quer aceitar o resultado” das eleições. E não adianta prelecionar que “quem quiser derrubar o ditador venezuelano deve derrota-lo nas próximas eleições”. Essa hipóteses não existe na Venezuela, como não existe na Nicarágua nem em Cuba. A propósito, a ex-deputada Maria Corina Machado, pré-candidata favorita da oposição ao chavismo venezuelano, acaba de ser inabilitada a exercer cargos públicos por 15 anos pela “democracia relativa” de Nicolás Maduro. Além dela, os líderes opositores Henrique Caprile e Juan Guaidó também estão proibidos de concorrer na eleição do ano que vem. Acusações: “irregularidades administrativas”.

Por certo, não é cabível que um país interfira dentro de outro, como argumenta o amigo. Mas quando esse país é governado por um bandido sanguinário, que maltrata os seus concidadãos, tira-lhes a liberdade, leva-os à miséria, faz com que passem fome e até os obriga a abandonar a pátria, é dever de todas as pessoas, dentro ou fora das ditaduras, protestar contra o arbítrio, a opressão e a prepotência. No mínimo em consideração aos direitos humanos.

Ortega, Maduro e Miguel Díaz-Canel, sucessor de Castro, não representam a esquerda, não são e nunca foram, de modo algum, esquerdistas, preocupados com o bem estar social. São tiranos, que objetivam a manutenção do poder a qualquer custo. E, por isso, não merecem a sua simpatia e muito menos a sua defesa, Luiz Inácio. O melhor é se esquecer deles, assim como esquecer do capitão Messias. Marginais a gente deixa à margem.

Agora que você já mostrou o mundo para a sua Janja e não teve atendido o seu pleito ao papa Francisco – segundo o cartunista Jaguar, Sua Santidade teve a paciência de explicar-lhe que “Santificação, só póstuma e com um milagre comprovado” – volte os olhos para o Brasil, tome cuidado com os bandidos que o cercam, fora e dentro do país, e governe.
Temos um longo caminho pela frente, companheiro presidente. Os problemas são inúmeros aqui dentro; não precisa ir buscá-los lá fora, oferecendo munição para seus detratores.

O povo brasileiro não alimenta grandes pretensões. Quer apenas ter emprego, ter escola, ter segurança, ter comida no prato e, sobretudo, viver com dignidade a sua vida modesta. E isso você, Lula, você pode lhe dar. Basta baixar a bola, deixar de ouvir os maus conselheiros e fazer o feijão-com-arroz. Pode até, de vez em quando, pôr uma farofinha e uma pimentinha

Ainda com alguma esperança, receba o meu abraço. CHG

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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