Supermercado espião

Ia dizer “surgiu assim do nada”, no velho sentido da coisa casual. E foi isso mesmo, mas o nada aconteceu de ser este blogue. Dias atrás comentei sobre o marido da Sandy, que atribuiu sua decisão de se separar a Ivan Ilich, o romance de Tolstói. Não tenho preconceito – será que não tenho mesmo? – contra músicos, cantores e atores que enveredam ou mostram intimidade com a literatura; há tantos assim, como Chico e as Fernandas Montenegro para ficar nos mais visíveis. Mas esse marido rabequista da Sandy, faça-me o favor. Quer usar Tolstói no divórcio, apele para Guerra e Paz, ou mesmo para Ana Karenina.

Também do nada, agora o nada coletivo da internet, o moço tornou-se influencer, aumentou as vendas do romance, que deviam estar encalhadas, e atiçou a gula das livrarias. Hoje acordo com a Amazon a me oferecer o livro, baratinho, entrega rápida. Como se nesta altura da vida, com tempo escasso nas leituras para a autodefesa no Juízo Final, eu pudesse voltar ao Tolstói da juventude para hipostasiar, dando consistência ao casalinho da música. Mas o que incomoda e deixa-me indefeso é a privacidade. Com sua artilharia de algoritmos a Amazon, outro supermercado espião, colheu a referência a livro para me assediar com oferta comercial.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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