As bicicletas dos homens-cavalos

A prefeitura terá bicicletas para alugar. Beleza, típico da cidade que vende fumaça para esconder o incêndio. Em uma Curitiba não muito distante, tirou-se uma comissão de notáveis para organizar a visita de alguém importante, papa ou coisa assim. Tinha o problema da Vila Pinto, o ventre exposto da miséria exato no caminho do aeroporto; ficaria chato exibir logo aquilo para o visitante. A dondoca do soçaite, escolhida para a comissão, teve a ideia luminosa: construir um tapume para encobrir a chaga urbana.

Curitiba tem os catadores de recicláveis, os “homenscavalos“, que puxam carroças com o material. A expressão veio de nosso grande frasista Rafael Greca, quando prefeito pela primeira vez. Ele criticava o fenômeno numa idiossincrasia, ou visão de mundo, da mesma índole que a da dondoca do tapume. No entanto, se a dondoca foi escanteada, Rafael Greca elege-se e se reelege apesar das vilas pinto e dos homens-cavalo. O Nero da Vicente Machado dá o circo e nega o pão. Coisas de reizinho criado pelas tias.

Os homens-cavalo são uma chaga, urbana e social. Urbana, porque negam a cultivada marca registrada de Curitiba, o planejamento urbano. Social, porque os catadores circulam com seus carrinhos improvisados, eles, mulher, filhos e cachorros, boa parte associando a recolha de papeis com o pedido de esmola. O prefeito católico fez ou pensa fazer algo a respeito? Algo como fornecer carrinhos mecânicos para reduzir o impacto físico do trabalho dos catadores? Talvez um programa de educação e treinamento?

Nada contra o investimento em bicicletas, embora ele não passe de perfumaria urbana, que é moda quando lançado e fiasco a curtíssimo prazo. Mas nossos prefeitos de matriz conservadora e lúdica não resistem às perfumarias para agradar turistas e jornalistas estrangeiros. Acontece que os catadores são socialmente mais úteis que os turistas; com perdão da franqueza, são como os peixes que limpam o oceano. São ignorados, mendigos funcionais, gente de favela, que um dia irão catar as bicicletas abandonadas pelas esquinas.

Alguns municípios, como o da imagem abaixo, uniram o útil ao racional: forneceram bicicletas com basculantes para recolher e armazenar o lixo. Aliás, bicicletas amarelas. Se o prefeito de Curitiba insistir nas bicicletas, pode fazer melhor: transformá-las em riquixás para transportar os interessados, alternativa mista entre o táxi, o über, o transporte coletivo e a coleta de lixo reciclável. Se o prefeito de Curitiba não tivesse a adolescente pelo exibicionismo e pela originalidade pífia, estaria aí a solução tanto para o problema como para o capricho.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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