Carta ao Salim

Roberto Salim escreveu aqui para o Ultrajano aquilo tudo que eu gostaria de escrever. Para mim, então, sobrou apenas a vontade de escrever uma carta.

Querido Bob Salino,

Escrevo estas maltraçadas para contar que também eu fui Gilmar.

Quase em frente à casa onde morava quando moleque, na Rua Leandro Dupré, 492, na Vila Clementino, tinha um terreno baldio com muitos pés de mamona (imagina as guerrinhas que nossa turminha fazia atirando mamona com estilingue), mato e um campinho bem no meio disso.

Torcedor do glorioso alvinegro praiano, sempre que cabia a mim ir para o gol, incorporava Gilmar dos Santos Neves e me metia a desfilar o repertório do arqueiro que se vestia todo de preto.

Caprichava nas pontes e focava em ficar bem colocado para impedir que meu time fosse vazado por um chute de longa, média ou curta distância.

Assim como Gilmar, jamais dei um chutão pra frente na hora de recolocar a bola em jogo. Sabia que rolar a redonda para o zagueiro direito era a melhor opção para o time avançar tocando a pelota de pé em pé até chegar ao gol adversário.

Goleiro clássico, o máximo que consegui foi ser reserva do infantil do Monte Líbano.

Mas aí, de certa forma, Gilmar já havia me abandonado. As pontes, a boa colocação e a visão geral do jogo fugiram não sei pra onde. Me deixaram sozinho, tomando gol atrás de gol.

Sabe, Salim, hoje (15), ao ler o Juca, lembrei-me da foto do Pelé chorando no ombro do Gilmar.

Lembrei-me dele no Pacaembu, na véspera da decisão do jogo contra o Fluminense na semifinal do Brasileirão. Ele apareceu por lá para dar uma força aos jogadores.

Lembrei-me ainda a matéria que fiz com ele para o Grandes Momentos do Esporte. Sabe onde foi? Pois é, na concessionária da GM no Tatuapé.

Em agosto do ano passado, entrevistei Ado e Leão para matéria em homenagem a Gilmar. Não lembro se era aniversário de nascimento ou de morte do meu goleiro predileto.

Puta merda! E agora, Salino?

A imagem de goleiro elegante, que tanto Ado quanto Leão fizeram questão de ressaltar, se desfaz. No lugar dela surge a figura de um homem de preto assombrando as crianças nos porões da ditadura. Obrigado e abração, Bob.

Helvídio de Mattos

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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