Do cis de Bolsonaro ao Ku de Juscelino

                    
                        A democracia tem o dever de respeitar seus inimigos.

NO INTERROGATÓRIO de Jair Bolsonaro o delegado federal perguntou-lhe se ele era cisgênero, palavra da moda para o heterossexual de nascimento. Foi a única pergunta que o ex-presidente respondeu, nem pela negativa, nem pela afirmativa; simplesmente disse que não conhecia a palavra (eu próprio passei a conhecê-la hoje). A atitude do delegado causou indignação entre os aliados de Bolsonaro. Indignação justa, pelo lado arrogante, desrespeitoso e prepotente da autoridade policial. Coisa menor, isso de ir à forra de modo canhestro, que acaba por desqualificar um ato importante, seja pela oficialidade, seja pela oportunidade de expor uma conspiração frustrada.

Lula viveu situação semelhante. Quando interrogado por Sérgio Moro na Lava Jato, um dos procuradores dirigiu-se a ele como “senhor Luiz Inácio da Silva”, com nítido propósito de diminuí-lo. Diante da pronta intervenção de Cristiano Zanin, seu advogado e hoje ministro do STF, o juiz transmitiu o protesto da defesa, de que como ex-presidente Lula tinha direito ao tratamento protocolar de “excelência”. O procurador foi obrigado a reformular a pergunta. As situações que viveram Lula e Bolsonaro têm a mesma índole da prepotência e do desrespeito, de usar um momento de fragilidade diante do aparato judiciário para vocalizar a revolta semioculta.

A  história do Brasil exibe situações de arbitrariedade do Estado, como as de Lula e Bolsonaro, que podemos recuar à tortura e à humilhação de Luiz Carlos Prestes na ditadura Vargas. O “cis” de Bolsonaro não está longe da ofensa que um capitão radical submeteu o ex-presidente Juscelino Kubitschek nos primórdios do golpe de 1964. Cassado, senador eleito, Juscelino podia pedir asilo no Exterior, onde se encontrava. Ele voltou ao Brasil, em desafio à ditadura, que o retirou do avião em que desembarcava para levá-lo a depor em inquérito policial militar. Onde o capitão que o interrogava pergunta-lhe se o Ku de seu sobrenome se escrevia com ka ou com cê.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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