Dois paus

Até na hora de assumirem a castração, resolveram perder para outro homem

Na faculdade, o professor de Marketing 3 tinha uma máxima: desodorante roll-on vende muito porque tem o formato exato de um pênis. Ele ainda completava, achando que provocava as moças da classe: “Quem aguenta entrar em uma farmácia e já não ir logo segurando um?”.

Dessa frase tiro uma quantidade enorme de conclusões. A primeira, mais óbvia, é a de que eu estava no curso errado. A segunda é que o pênis do professor não era exatamente grande. A terceira é que o professor não sabia que seu pênis era médio-menos (se ainda fosse um aerossol família!), pois profanava suas teorias mercantis com a segurança trouxa de um “exibe rola” de vestiário. A quarta é que ele provavelmente não explorou sua bissexualidade antes de casar e tentava tirar alguma emoção de uma gôndola de antitranspirantes em promoção (e sonhava com pelo menos 48 horas de proteção aos desejos que lhe faziam suar). A quinta, e paro por aqui para não perder uma crônica dissecando esse senhor, é que o homem branco já era bem ridículo em 1999, mas eles ainda não eram demitidos por isso.

Houve um tempo em que os únicos vibradores do mercado eram um pauzão meio torto. Era como esconder na gaveta um troféu errado, trocado, que deveria agraciar outra pessoa. Eu não vou fazer essa pesquisa, mas aposto meus dois sugadores de clitóris e a minha língua pink com 25 estimulações diferentes que as vendas aumentaram vertiginosamente quando entenderam que era muito mais negócio para a mulher ter um batonzinho pequeno e discreto que salpica, estremece e peteleca os pontos certos do que ostentar uma ode descabida a outro gênero. Para que eu vou ter uma escultura feia de pinto, um ex-voto emborrachado e macabro no quarto? Até na hora da masturbação feminina tinha designer macho sem talento que resolvia homenagear a si mesmo.

Um dia desses, em um grupo de WhatsApp com jornalistas, escritores, economistas e intelectuais de toda espécie, alguém lançou uma “bomba”: os tubarões têm dois pênis. Das mulheres do recinto virtual não se ouviu qualquer deslumbramento. Era como se nosso silêncio dissesse: caros, francamente, tô muito ocupada aqui e caguei pra um peixe com dois pintos. Amigos tão eruditos e progressistas, sinceramente, por mais que Freud tenha sido o único homem que amei de verdade nos últimos 20 anos, pau é uma coisa muito legal se antes todo o resto de vida que há no dono do membro tiver servido para, no mínimo, provocar nossa audição com inteligência e a nossa tez com criatividade.

Mas os homens do grupo, meu Deus. O assunto durou dias. O que o tubarão faria, o que eles fariam, teria a baleia duas vaginas, com quantos “dois paus” se faz uma canoa, por isso o “dois de paus” significa autoridade e domínio no tarô, por isso aquela canção infantil diz “como é legal lá no fundo do mar?”. Nunca senhores com especializações internacionais foram tão falantes, histéricos, humoristas e garotos. E daí chegaram aonde sempre chegam: o que o escritor português Ricardo Araújo Pereira tem que na presença dele os homens se sentem sem pau? Até na hora de assumirem a castração, resolveram perder para outro homem. Alto, branco, bonito, rico, europeu.

Um brinde às vibrações vulvísticas, às parceiras que me salvaram nos últimos tenebrosos meses, à minha filha genial e sobretudo a uma mulher trans, minha grande amiga Tuba, que vem me ensinando a ser mais forte. Eu pago uma vagina para vocês. Ou duas.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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