E o gado fomos nós

A CPI da Covid já pode concluir os trabalhos. Está comprovado que Bolsonaro apostou na imunidade de rebanho ao expor o povo brasileiro à doença

Ainda falta ouvir algumas autoridades e especialistas. Mas, pelo que se viu do segundo depoimento do Marcelo Queiroga à CPI da Pandemia, será pura perda de tempo. Os (ir) responsáveis do governo Bolsonaro continuarão na defensiva, negarão os fatos e vão fazer de tudo para isentar o chefe de culpa no cartório. Mas já há elementos mais do que suficientes para incriminar o Capitão Corona e seus subordinados. A CPI já pode concluir seus trabalhos. Bolsonaro é o principal responsável pelo alto número de mortes pela Covid. Se seu governo não tivesse sabotado o combate à Covid-19, as famílias não estariam chorando quase meio milhão de mortos por todo o país.

O mais grave é que Jair Bolsonaro agiu de forma pensada e impiedosa. Se alguém tem dúvida, recomenda-se a leitura do relatório do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo sobre a ação federal e a disseminação da Covid-19. O estudo publicado em janeiro deste ano foi atualizado a pedido da CPI. Seus resultados “afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência da parte do governo federal na gestão da pandemia”. Ao contrário, “a sistematização de dados revela o empenho e a eficiência em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional”.

Em suma, Bolsonaro apostou todas as fichas na “teoria da imunidade de rebanho” com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível. Entregou o povo brasileiro à própria sorte. A disseminação da Covid-19 foi promovida de forma sistemática em âmbito federal, com a economia ganhando prioridade à frente da saúde. É o que se conclui da leitura de normas federais, jurisprudência, discursos oficiais, manifestações públicas de autoridades federais e busca em plataformas digitais. Essas fontes de informação demonstram “a intencionalidade, a consciência dos atos e omissões praticados e a vontade de praticá-lo”.

Segundo o estudo da Faculdade de Saúde Pública da USP, Jair Bolsonaro foi coerente entre o que disse e o que fez. Além da defesa da imunidade de rebanho (ou coletiva) por contágio como forma de resposta à Covid-19, que levaria ao controle da pandemia, o Capitão Corona incitou a população à exposição ao vírus e ao descumprimento de medidas sanitárias preventivas. Negou a gravidade da doença, fez apologia à coragem de não usar máscara e vendeu a suposta existência de um “tratamento precoce” para a Covid-19, que foi convertido em política pública.

Houve também a banalização das mortes e das sequelas causadas pela doença, difundindo-se a ideia de que faleceriam apenas pessoas idosas ou com comorbidades, ou pessoas que não tivessem acesso ao “tratamento precoce”. Sem esquecer a obstrução sistemática às medidas de contenção promovidas por governadores e prefeitos, sob o argumento de que as medidas de isolamento causariam fome e desemprego. O estudo destaca a ausência de medidas de prevenção da doença e os ataques aos críticos da resposta federal, à imprensa e ao jornalismo profissional, sempre questionando a dimensão da doença no país.

O relatório é incontestável. E a aposta na imunidade de rebanho resultou em meio milhão de mortes. Sem resposta para as acusações, Bolsonaro tenta manipular os números. Na noite de domingo, o auditor do TCU Alexandre Figueiredo, ligado aos filhos de Bolsonaro, incluiu no sistema interno do Tribunal de Contas da União um documento que contesta o número de mortos pela Covid. Das 195 mil mortes registradas até o fim de 2020, 115 mil teriam outras causas. As mortes seriam superdimensionadas. Mas as duas páginas elaboradas por Figueiredo já tinham sido refutadas por seus colegas. E o TCU ressalta que, além de não fazer parte de processos do órgão, o documento não tem respaldo em fiscalização do órgão. Bolsonaro, porém, citou o documento na segunda-feira de manhã como se fosse conclusão oficial do TCU.

A esta altura, não adianta distorcer os fatos. A disseminação do vírus foi intencional. A CPI pode se estender por meses, mas o culpado pelas mortes é conhecido de todos. Ele continua a andar por aí de motocicleta, sorridente e sem máscara. Cedo ou tarde, o Capitão Corona vai pagar pelo desrespeito à vida e os crimes contra a saúde pública.

Octavio Costa

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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