Elogio da bosta e outras polêmicas

Contra a imerecida fama de que Curitiba não comporta os inimigos do estabelecido, preferindo cultuar o tradicional e o status quo vigente, há exemplos de todo gênero. Paulo Leminski surgiu nos anos 1970 batendo forte na literatura que aqui se produzia – contrário aos “daltônicos”, em provocação clara a Dalton Trevisan (foto), que passou por cima das provocações e seguiu escrevendo sem dar importância ao poeta rebelde. Ninguém saiu perdendo, posto que ambos mantêm seus leitores até hoje, 34 anos depois da morte do poleminski.

Muito antes disso, porém, a cidade conheceu autores que adoravam uma confusão literária. Ernesto de Oliveira, nascido na Lapa, pastor evangélico, fundador da Cadeira 23 da Academia Paranaense de Letras, jamais economizou energia para o debate. Alinhou-se aos maragatos na Revolução Federalista, com o que terminou asilado na Argentina. Engenheiro, poliglota, professor de agronomia, tradutor e conferencista, desenvolveu a lavoura da erva-mate, lançou campanha pelo reflorestamento do Paraná e meteu-se em polêmicas ferozes. Entre elas, uma com o Padre Leonel Franca, ideólogo da Igreja Católica, a quem mais tarde a Academia Brasileira de Letras outorgou o Prêmio Machado de Assis. Também bateu-se com o jurista italiano Enrico Ferri, confrontando o determinismo com o livre arbítrio que defendia.

Sua polêmica mais engraçada foi com um jornalista do Diário da Tarde, autor de artigo atacando Ernesto por ele haver usado a palavra bosta em palestra a agricultores do interior paranaense. O escritor comparou o jornalista a “asnos que zurram ao enxergar o feno” e defendeu a bosta como sendo o único termo aplicável ao entendimento de colonos estrangeiros para a composição de adubos. Seu texto teve como título “Elogio da Bosta”. Morreu em 9 de novembro de 1938, no Rio de Janeiro.

Outro admirável polemista foi Dicesar Plaisant, 1º ocupante da Cadeira 17 da APL. Curitibano, estudou no Colégio Militar no Rio de Janeiro e formou-se em Direito na Universidade do Paraná. Foi promotor de Justiça em Minas Gerais. De volta à cidade natal, ficou famoso pelos debates que protagonizava nos jornais, livros e conferências. Segundo o historiador Romário Martins, citado por Wilson Bóia no verbete que escreveu sobre Dicesar, ele unia cultura, talento e intrepidez. Mais que isso, o que assustava seus contendores era a virulência. Nos tempos do Estado Novo, sob a ditadura Vargas, era a voz contra o despotismo e a favor da liberdade de imprensa.

Panfletário, mas dono de enorme formação cultural, a expressava em conferências e nas mesas do bares que frequentava, boêmio que era. Ainda segundo Bóia, Plaisant foi definido por seu amigo Barros Cassal como “complicado, esdrúxulo, tumultuoso e esquisito”.

Mas o resumo da influência que exercia nos meios intelectuais paranaenses é da autoria do médico João Evangelista, quando certa vez notou sua chegada iminente a uma roda de conversa: “Cumprimentem o Dicesar, por favor. Por educação ou por medo”.

Faleceu em Curitiba em 26 de dezembro de 1969.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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