Fosse um jogo e ela seria a grande vencedora, porque não apenas uma das maiores cantoras da história da música como alguém que, por amor, sacrificou-se para tentar curar um gênio doente de doença insidiosa, o alcoolismo.
A série em quatro capítulos que está na Globoplay, de autoria e direção de Caroline Zilberman, é dos mais belos e cruéis documentos sobre a lendária Elza Soares e o imortal Mané Garrincha.
Não bastasse recuperar cenas históricas dele nos gramados e dela nos palcos, o documentário é um desfile de depoimentos que reúne outros gênios da raça como Chico Buarque de Holanda, segundo ela essencial na vida do casal no exílio italiano, e Caetano Veloso, ambos aos pés da negra que nunca se curvou diante de todo o sofrimento que enfrentou heroicamente.
Tem também uma tabelinha formidável entre dois colunistas desta Folha, Zeca Camargo, autor da biografia, “Elza”, pela editora Leya, e Ruy Castro, que escreveu “Estrela Solitária, um Brasileiro Chamado Garrincha”, pela Companhia das Letras.
Elza partiu, aos 91 anos, no dia 20 de janeiro de 2022, precisos 39 anos depois da morte de Garrincha, aos 49.
Os dois se encontraram e desencontraram numa vida louca, do ponto mais alto que dois seres humanos podem alcançar até a pior das profundezas, marcadas por mortes cruéis da mãe dela, vítima de bebedeira dele, e do filho deles
José Trajano também está no doc com sua verve e sensibilidade, conhecedor profundo das coisas da música e do futebol, num roteiro, de Rafael Pirrho, que não permite ao espectador desgrudar-se da tela nem por um segundo dos cerca de 200 minutos à altura do casal cuja história é contada com ternura e verdade, sem concessões.
Da imperdível minissérie fica a constatação, para nunca mais ser posta em dúvida, sobre quem foi importante para quem.
Mané Garrincha deve a Elza não só o que ela fez de bem por ele como o mal que lhe causou, gênio que driblou a tudo e a todos, menos a doença do álcool que se acostumou a tomar desde os dez anos de idade.