Jamais presuma que em Brasilia há boas intenções

Parlamentares querem direito de bloquear investigação contra eles. Isso não é defesa de prerrogativa parlamentar, é defesa de privilégio

O deputado federal Gilson Marques (Novo-SC) pediu vista do processo que analisa a prisão preventiva de seu colega Chiquinho Brazão (Republicanos-RJ) – mandante, ao que tudo indica, do assassinato de Marielle Franco.

Minha primeira reação foi dizer que não parecia um gesto corporativista, mas apenas um interesse – legítimo – de se inteirar melhor do assunto. Brazão não deixaria a cadeia e Marques prometeu devolver rapidamente o processo à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Minha opinião está registrada no Papo Antagonista e é mais um motivo para que eu deixe definitivamente de expressar qualquer crença nas boas intenções dos políticos. Incrível que eu ainda não tenha aprendido, a esta altura do campeonato. Pode me chamar de palerma.

Ouço de gente em Brasília e leio em outros veículos que os deputados queriam de fato passar um recado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Foi Marques quem pediu vista, mas incentivado por outros. Os quais, por sua vez, sabiam que também interessava ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) ganhar tempo para interpelar o ministro Alexandre de Moraes, que tem o caso em seu gabinete.

Deputados e senadores têm uma lista de queixumes contra o que julgam ser avanços do STF contra suas imunidades parlamentares. Estou com eles na defesa da prerrogativa de dizerem o que pensam, por mais chocante que possa ser.

Discordo frontalmente quando pensam em aprovar uma PEC que condicionaria a realização de diligências de busca e apreensão contra eles a uma licença prévia da mesa diretora das respectivas casas. Como escrevi nesta semana a respeito desse assunto, os parlamentares querem ter o direito de bloquear uma investigação contra eles – inclusive de crimes comuns – logo nos primeiros passos. Isso não é defesa de uma prerrogativa parlamentar, é defesa de um privilégio.

Discordo de maneira ainda mais enfática ao saber que usam um caso escabroso como o de Chiquinho Brazão para resguardar a possibilidade de se porem à salvo da Justiça. A informação de que Brazão, ao lado de um de seus irmãos, é o provável mandante da morte de Marielle não chega como uma surpresa. É mais um caso a se juntar à pilha de indícios de que a família está metida com o crime organizado no Rio de Janeiro.

Os parlamentares deveriam escolher melhor suas batalhas. Este deveria ser um episódio para eles demonstrarem que suas mesquinhas vantagens corporativas não vêm antes de tudo. Que há limites que não podem ser cruzados.

Ou então, eles deveriam ter a coragem de votar publicamente contra a prisão preventiva do colega, manifestando seu desgosto com o fato de a Justiça ir atrás de um provável assassino que, vejam só, conquistou o direito de ser chamado de Excelência.

Em vez de agir às claras, os deputados usam subterfúgio e ganham tempo, para fazer pressão nos bastidores. Jamais presuma que em Brasilia há boas intenções.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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