Gosto dos outonos nublados e frios de Curitiba. Vista aqui do alto, do vigésimo andar, Curitiba lembra um pouco Buenos Aires, a Calle Lavalle, lembra um pouco Lyon, Bruxelas ou outra cidade européia que jamais conheci.
Por um momento essa atmosfera me envolve a ponto de me convencer a vestir o casaco e descer até a rua, predisposto a saciar uma súbita fome intelectual por um bom livro, uma boa música, uma obra de arte qualquer. Li recentemente que Rostropovich reuniu em álbum suas principais gravações feitas entre 1950 e 1974, das Bachianas a Schumann e Beethoven, incluindo os dois concertos de Chostacovich. Eis o pretexto: procurar Rostropovich nas casas especializadas de Curitiba, embora saiba de antemão que será uma busca vã. Já imagino o ar de riso das moças que me atenderão, as consultas ao gerente, as desculpas, mas preciso manter a qualquer custo a atmosfera. Estou, afinal, numa capital européia — não é disso que a propaganda oficial sempre tentou nos convencer? Não duvido, portanto, de cruzar com o próprio Rostropovich e seu violoncelo no meio da Praça Osório, atrasado para o ensaio de dali a pouco na Escola de Música e Belas Artes do Paraná.
Animado por tal perspectiva, ergo a gola do casaco e avanço. Pose de intelectual compenetrado, finjo não ver garotos cheirando cola, meninas se prostituindo, gente mal vestida remendando o frio com tudo o que havia no guarda-roupa, do plástico à lã sintética, das malhas ordinárias de náilon made in Taiwan.
*Do livro “Os verões da grande leitoa branca”.