Em busca de Rostropovich

Gosto dos outonos nublados e frios de Curitiba. Vista aqui do alto, do vigésimo andar, Curitiba lembra um pouco Buenos Aires, a Calle Lavalle, lembra um pouco Lyon, Bruxelas ou outra cidade européia que jamais conheci.

Por um momento essa atmosfera me envolve a ponto de me convencer a vestir o casaco e descer até a rua, predisposto a saciar uma súbita fome intelectual por um bom livro, uma boa música, uma obra de arte qualquer. Li recentemente que Rostropovich reuniu em álbum suas principais gravações feitas entre 1950 e 1974, das Bachianas a Schumann e Beethoven, incluindo os dois concertos de Chostacovich. Eis o pretexto: procurar Rostropovich nas casas especializadas de Curitiba, embora saiba de antemão que será uma busca vã. Já imagino o ar de riso das moças que me atenderão, as consultas ao gerente, as desculpas, mas preciso manter a qualquer custo a atmosfera. Estou, afinal, numa capital européia — não é disso que a propaganda oficial sempre tentou nos convencer? Não duvido, portanto, de cruzar com o próprio Rostropovich e seu violoncelo no meio da Praça Osório, atrasado para o ensaio de dali a pouco na Escola de Música e Belas Artes do Paraná.

Animado por tal perspectiva, ergo a gola do casaco e avanço. Pose de intelectual compenetrado, finjo não ver garotos cheirando cola, meninas se prostituindo, gente mal vestida remendando o frio com tudo o que havia no guarda-roupa, do plástico à lã sintética, das malhas ordinárias de náilon made in Taiwan.

*Do livro “Os verões da grande leitoa branca”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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